À medida que vamos assistindo ao desembrulhar do caso EDP, é inevitável refletirmos sobre as duas dimensões do problema que colocam o dedo na ferida mais profunda de Portugal – um Estado que não sabe negociar e clientelista – e noutra mais recente mas igualmente ameaçadora da nossa dignidade e Economia: a Justiça, também ela clientelista do populismo, que se alimenta de tablóides. Há muitas perguntas a fazer e quem ousou fazê-las, com responsabilidades políticas e governativas no passado, foi inconsequente. Pagamos demais pela eletricidade? Sim. O Eurostat diz até que somos o país que mais paga, tendo em conta o poder de compra. Isto é crime? Não.
O Estado – nós – pagamos uma renda de 250 milhões de euros/ano à EDP para compensar quebras de contratos anteriores, que eram ainda mais lesivos para o consumidor. São rendas legítimas do ponto de vista económico? Bruxelas disse que sim. São legítimas do ponto de vista do consumidor, vítima de maus negócios protagonizados pelo Estado? Eventualmente não. Mas isto é crime? Não.
Manuel Pinho, ex-ministro da Economia que negociou os termos do pagamento destas rendas à EDP bem como o prolongamento da concessão de várias barragens à eléctrica, está agora em Columbia a lecionar um curso sobre Energias Renováveis que é patrocinado, pelo menos em parte, pela EDP. O facto, aliás, é conhecido há anos pelo público em geral. Cai bem? Não. É crime? Apenas se ficar provado que há uma relação de causa-efeito e essa fundamentação é aparentemente muito frágil.
E eis que surge agora uma investigação de factos que todos conhecemos há vários anos e que têm todas as características para resultar em mais um processo que se vai fazer nos jornais, com fugas de informação que ajudarão a construir, na opinião pública, o que a Justiça não vai conseguir demonstrar nos tribunais. Isto é sério? Não.
No entretanto? A extrema-esquerda mostra o que vale ou o que não vale como partido de poder e reclama, sem que esteja demonstrado como tem de estar – na Justiça –, que a EDP seja obrigada a devolver dinheiro ao Estado, rompendo sem pudor contratos assinados com acionistas e investidores estrangeiros. E fazendo do Estado português uma contraparte contratual não confiável, passível de afastar qualquer grande investidor de empresas nacionais porque desfaz, anos depois, os negócios que assinou, sem qualquer respeito por contratos assinados e em curso.
Eduardo Catroga tem razão: não se brinca com empresas cotadas. Algo que alguns políticos se esquecem com facilidade e de forma irresponsável, e a Justiça, viciada em mega processos, ignora, não pugnando por manter discretas as suas investigações e tendo mão pesada na opinião pública, mesmo não podendo ter em fórum próprio. Se tiver havido crime, que haja castigo. Mas no fórum devido. Que este não seja um daqueles casos em que o Estado foi incompetente nas suas funções de negociador com as grandes empresas e que a Justiça usa para fazer Portugal parecer um país de terceiro mundo, justiceiro para, no fim, arquivar por falta de provas.