O veto político ao diploma que previa o alargamento das situações de derrogação do sigilo bancário para contas cujo saldo fosse superior a 50 mil euros foi justificado pelo Presidente pela inoportunidade da iniciativa legislativa face ao contexto económico que o País vive. Eu diria que foi um veto oportuno. Oportuno pelo ‘timing’ e pelo conteúdo. Com efeito, discutir esta matéria numa altura de enorme fragilidade do setor bancário e de debilidade do investimento privado só se pode justificar ou por deriva ideológica, oportunismo político ou enorme distanciamento do mundo real. Aliás, seria bom que uma parte da nossa classe política saísse dos seus gabinetes, da academia e da realidade virtual das juventudes partidárias e tivesse um tirocínio obrigatório de gestão. Sim, gerir uma empresa, uma atividade económica, pagar salários e fazer crescer um negócio.

No mesmo sentido, só se pode justificar por oportunismo político a ideia de introduzir um imposto sobre o património imobiliário, a bem, dizem-nos, da justiça fiscal. Tenho de tirar o chapéu, confesso, à dialética política da maioria de esquerda que nos (des)governa. Ao centrar o debate político na necessidade de introduzir maior equidade na sociedade portuguesa, o PS e seus aliados retiraram boa parte do espaço de manobra a PSD e CDS, e ofuscaram a iniquidade das medidas e opções políticas que têm vindo a ser adotadas. Senão vejamos.

Comecemos pelo novo imposto sobre o património. Desde logo, desconhece-se se a futura iniciativa legislativa foi precedida de algum estudo técnico sobre os seus efeitos, ou se se teve em conta as dificuldades sentidas em muitos outros Estados na sua implementação. Do ponto de vista da comunicação, o anúncio feito por Mariana Mortágua é um exemplo académico do que não deve ser feito. Desconhecem-se os contornos técnicos do novo imposto, mas lançou-se a confusão e criou-se mais instabilidade junto dos contribuintes e potenciais investidores. Um verdadeiro desastre, acompanhado de dislates como a pretensão de passar a tributar em Portugal os não residentes. Será que o BE desconhece as regras sobre territorialidade em matéria fiscal? Ou que Portugal dispõe de um regime de residentes não habituais que visa, precisamente, atrair investidores e quadros internacionais? Ou que o regime dos vistos ‘Gold’ foi desenhado em cima de investimentos imobiliários de montante igual ou superior a 500 mil euros? Outras perguntas relevantes ficam por formular, nomeadamente se este novo imposto vai ter em conta o património imobiliário agregado líquido, isto é, descontando o efeito do financiamento.

O que fica contudo é a confusão e a incerteza, tudo fatores que qualquer investidor abomina. Não está em causa a bondade de introdução de mais equidade fiscal, mas de novo a oportunidade da medida e a sua adequação ou a ponderação dos efeitos adversos que a mesma pode trazer para um dos poucos setores económicos em crescimento em Portugal. Num contexto em que precisamos de capital e investimento externo, este é mais um tiro no pé, tal como a convicção generalizada que se está a reverter em matéria fiscal, social e legislativa tudo o que foi feito no período de ajustamento.

Estou cansado de o dizer, mas irei repetir: uma economia endividada, de crescimento anémico e dependente do exterior como a nossa não se pode dar ao luxo de adotar uma política fiscal marcadamente ideológica e que traga ainda maior instabilidade à nossa tradicional fúria legislativa. E não pode por razões de puro pragmatismo mas também por constituir um foco adicional de instabilidade, uma vez que tais medidas ficam mais expostas aos ciclos políticos. Pragmatismo, competividade e estabilidade legislativa devem ser as traves mestras da nossa política fiscal para os próximos anos. De todo o modo, o dano está criado num cenário em que o Governo parece um elefante numa loja de porcelana.

Mas aparentemente está tudo bem. A suposta redistribuição de rendimento e calibragem do sistema fiscal parecem ter adormecido o País. Foram distribuídas benesses seletivas – funcionários públicos, restauração, reversões de privatizações – e parece que a austeridade passou. Contudo, a carga fiscal mantém-se e tende a ser agravada para pagar o monstro, tendo desaparecido do léxico político as palavras reforma e redução de gastos públicos. O investimento cai a pique, as exportações caiem, o País diminuiu a sua competividade e compromete o crescimento futuro, mas do que se fala é de justiça fiscal e redistribuição de rendimento. Tudo isto a criar novos impostos, a agravar a tributação indireta, a mexer no IMI, a atrasar reembolsos e a cativar despesa pública em setores essenciais. É sensibilidade política dirão alguns. É puro oportunismo que todos iremos pagar mais tarde, pois as benesses de hoje serão as faturas de amanhã, talvez já no próximo OE para o ano de 2017.