Depois de vivermos quase todo o período democrático virados para dentro, ignorando o oceano e céu azuis que outrora nos deram asas, Portugal, por mão dos dois últimos governos e, mais entusiasticamente, deste último, resolveu incentivar a chegada de estrangeiros às nossas terras. Foram os Golden Visas. Depois os Startup Visas. E agora os Tech Visas. Anunciados, como não poderia deixar de ser, na Web Summit, uma espécie de feira tecnológica de startups e ilusões que assentou por cá arrais nos próximos dez anos.

Estas medidas de vistos seletivos são bem-vindas e – uma vez não é exemplo – monetizam os preciosos ativos de Portugal, situado (espante-se!) na Europa, o que atrai nerds indianos a deixar a confusão de Bangalore, techies alemães à procura de sol, brasileiros a fugir do Brasil e jovens empreendedores à procura da última trend. Além disso, se a coisa correr bem, matamos dois coelhos de uma cajadada: combatemos o descalabro demográfico e até conseguimos virar um país “tecnológico”.

Infelizmente, há no mundo dos negócios uma lógica perversa: em primeiro lugar, gestores, investidores e empreendedores criam uma narrativa de explicação para um determinado fenómeno novo no mercado. Baseados nela, cedo se entregam à extrapolação para prever como uma empresa pode evoluir, criar um mercado ou alterar um outro. Muitas vezes, novas realidades destroem e substituem antigas, o que Schumpeter designava de “destruição criativa”. Nada de errado. O pior vem na terceira fase, quando da extrapolação se passa ao exagero.

Este desvio da racionalidade justifica como empresas que nunca deram lucro, não têm um plano de negócio e já fizeram “pivot”(*) mais de uma vez, continuam a pedir e conseguir mais investimento, na esperança e cegueira coletivas que daí virá mais um unicórnio. É mais ao menos por esta altura que os dados transmitidos pelo mercado desmentem os sonhos de tanto empreendedor, investidor e sonhador. Como aconteceu nas últimas dez semanas em que as grandes tecnológicas norte-americanas caíram cerca de 900 mil milhões de dólares em capitalização bolsista, mais do que valiam todas juntas há tão-só cinco anos.

Enquanto isto, a EdP anuncia ter avaliado mais de 400 startups nos últimos dois anos. Isto dá a vertiginosa média de uma empresa por 1,1 dia de trabalho. Anuncia também, sem originalidade que, no tempo de 60 segundos, todas elas têm de ser capazes de se vender. É o famoso “elevator pitch”. Este ano dedicará 45 milhões de euros ao processo. Diz de si que é a empresa portuguesa que mais tempo e dinheiro dedica ao processo de identificação de novas empresas.

A diversidade e o talento serão sempre bem-vindos, disso não se trata. Haver empresas que investem em startups é também desejável. Mas nada poderá prosperar sem que o talento e o capital nativos sejam, eles próprios, objeto de enquadramento, desenvolvimento e investimento pensado e continuado, com objetivos claramente definidos e medições claras. Senão estaremos a criar uma realidade postiça, pedindo talento emprestado a outros países e acreditando, ingénua ou ignorantemente, que o nosso escassíssimo capital pode reproduzir por cá o que se faz por lá, uma espécie de vira-meia-volta que passará à história como os clusters do Michael Porter, ou os centros de decisão em Portugal, ou o “choque tecnológico” ou… vale a pena continuar?

 

* “pivot” é o jargão tecnológico para quando uma coisa não dá certo, mudar para algo totalmente diferente sem se admitir o fracasso e perda de investimento da primeira tentativa.