O enquadramento económico sobre o qual irá ser discutido o próximo orçamento dificilmente poderia ser mais benigno. A economia nacional tem vindo a registar um crescimento económico acima das expetativas, e o país deu um passo importante para regressar à normalização do financiamento soberano após a subida do rating dos níveis de lixo por parte da poderosa agência Standard & Poor’s. As metas iniciais para chegar a um défice de 1% em 2018 exigiam, à partida, outro tipo de esforço por parte da economia, que neste momento não se coloca.
Isto significa que a disposição das peças desta espécie de “Lego orçamental” ganha maiores possibilidades, existindo margem de manobra para tomar decisões que se revestem de grande relevância para a estabilização financeira de Portugal na próxima década – um ciclo que deverá ser marcado pela normalização da política monetária do Banco Central Europeu.
Sejamos concretos. Durante os últimos anos a Europa, e sobretudo países como Portugal, têm beneficiado quer de taxas de juro extraordinariamente baixas, quer do enorme arsenal de estímulos monetários que o BCE tem vindo a colocar em prática, permitindo significativas reduções nos custos de financiamento das economias da zona euro. Estes tempos de emergência estão agora – e ainda bem – a chegar ao término, e em breve o BCE irá deixar de intervir nos mercados e, posteriormente, começará a subir o custo do dinheiro, executando uma normal estratégia de saída após vários anos de suporte fundamental, para evitar os riscos de implosão do projeto do euro.
Seria por isso de aproveitar, enquanto ainda existe essa margem, para olhar um pouco mais além do curto prazo, e levar a cabo uma política de consolidação orçamental que permitisse reduzir o défice estrutural de Portugal – a Comissão Europeia mostrou recentemente as suas preocupações sobre esta situação – e começar a reduzir o elevadíssimo stock de dívida pública que Portugal detêm neste momento e que representa, no médio prazo, uma das maiores ameaças para a economia nacional, e que poderá ganhar crescente visibilidade à medida que o ciclo de subida de taxas se for tornando mais evidente nos próximos anos.
O que prevaleceu no fim, no que diz respeito ao Orçamento para 2018, foi a manutenção de uma agenda mais imediatista, que garante os mínimos olímpicos exigidos por Bruxelas, e decerto maior popularidade porque mantém o ciclo de distribuição de benesses para alguns setores da sociedade. Mas é essencialmente um documento que desperdiça de novo a oportunidade de garantir maior resiliência para um ciclo que será, em primeiro lugar, de muito maior exigência em termos de competitividade da economia nacional (o ímpeto do turismo pode não ser suficiente para tal) e, adicionalmente, de um clima mais agressivo em termos de juros a pagar em mercado para financiar uma economia com elevado legado do sistema social, com significativo enfoque na despesa corrente.
Contará certamente de pouco para a perceção dos portugueses neste momento, a urgência de construir desde já uma estrutura financeira no Estado que nos proteja no próximo ciclo em que a economia vai entrar. Mas os dirigentes políticos do atual executivo têm a obrigação, ou pelo menos deveriam ter, de evitar reincidir nas fórmulas que levaram Portugal ao resgate de 2011. O contrarrelógio para a próxima crise existe e, mesmo não sendo percetível para todos, deveria sê-lo para os mais avisados.