O Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais (SADT) em Portugal enfrenta uma crise sem precedentes. Enquanto milhares de Advogados lutam para defender os direitos dos mais carenciados, a Ordem dos Advogados (OA) parece ter perdido o seu lugar à mesa das negociações.
Conselho Geral da OA: um gigante adormecido?
A Ordem dos Advogados perdeu o lugar à mesa das negociações. Numa reviravolta surpreendente, o Conselho Geral da OA foi excluído do Grupo de Trabalho responsável pela atualização da tabela de honorários do SADT.
Esta ausência é particularmente chocante considerando que o apoio judiciário é uma das principais bandeiras do Conselho. A própria Bastonária, Fernanda de Almeida Pinheiro, reconheceu esta marginalização durante o discurso de abertura do ano judicial em 13 de janeiro: “A revisão da tabela está em curso e, pese embora a Ordem dos Advogados não tenha feito parte do Grupo de Trabalho que foi constituído para a rever e atualizar“.
Reformas urgentes para um sistema em crise
Para revitalizar o SADT e garantir uma Justiça acessível a todos, são necessárias mudanças profundas:
- Flexibilização das escalas: Propõe-se aumentar o limite de inscrição dos Advogados de 2 para 5 escalas mensais no SADT. Esta medida visa não só incentivar uma maior participação dos Advogados que desejam dedicar mais tempo ao sistema, mas também melhorar a distribuição de casos e reduzir a sobrecarga individual.
- Presença obrigatória de Advogado: Garantir representação legal em casos de suspensão provisória do processo, protegendo os direitos dos cidadãos.
- Simplificação burocrática: Eliminar a necessidade de confirmação dos atos pelos funcionários judiciais, confiando na comprovação fornecida pelo próprio Advogado.
- Modernização e celeridade: Implementar um sistema digital para registo imediato da presença do Advogado, agilizando o processo de pagamento de honorários.
- Pagamentos regulares: Estabelecer um calendário anual de pagamentos pelo IGFEJ, incluindo o mês de janeiro, com prazos de 30 a 45 dias após o pedido de honorários.
Melhorias para os cidadãos mais carenciados
Para melhorar o apoio judiciário aos cidadãos mais necessitados, é fundamental:
– Ampliar o acesso ao apoio judiciário, não o limitando apenas aos quase indigentes.
– Criar escalões de desconto nas custas judiciais, progressivos conforme os rendimentos de cada cidadão.
– Implementar um sistema de consulta jurídica prévia obrigatória para avaliar a viabilidade dos casos.
– Estabelecer um sistema integrado de cooperação entre a Ordem dos Advogados, a Autoridade Tributária e a Segurança Social para identificar e mitigar situações de uso indevido do SADT. Este mecanismo visaria, em particular, combater o fenómeno dos “litigantes crónicos” que sobrecarregam o sistema com pedidos repetitivos e/ou infundados.
– Disponibilizar plataformas digitais para facilitar o acesso à informação e serviços jurídicos.
Dignidade dos Advogados
É imperativo pugnar pela dignidade dos Advogados inscritos no SADT:
– Atualizar regularmente a tabela de honorários, refletindo a complexidade e a importância do trabalho realizado.
– Garantir condições adequadas de trabalho nos tribunais e instituições.
– Reconhecer publicamente o papel fundamental dos Advogados inscritos no SADT na defesa dos direitos dos mais vulneráveis.
Nova abordagem institucional
É necessário abandonar a lógica confrontacional com as instituições e adotar uma postura de diálogo construtivo:
– Estabelecer canais de comunicação regulares e eficazes com o Ministério da Justiça.
– Evitar confrontos públicos com Ministros e Secretários de Estado, como ocorrido no passado, em que foi pedida a demissão das Ministras da Justiça, Catarina Sarmento e Castro e Rita Júdice, e da Secretária de Estado Adjunta e da Justiça, Maria Clara Figueiredo.
– Promover a participação ativa da OA em grupos de trabalho e comissões relacionadas com o SADT.
O Cidadão no centro do SADT
O cidadão deve ser colocado no centro do Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais, a quem, aliás, o mesmo é dirigido. Assim, é necessário:
– Simplificar os procedimentos de solicitação de apoio judiciário.
– Criar campanhas de literacia jurídica para consciencializar o cidadão sobre os seus direitos e o acesso à Justiça.
– Estabelecer pontos de atendimento e informação em áreas de maior vulnerabilidade social.
Modernização e agilização do SADT
Para modernizar e agilizar o SADT, propõe-se:
– Implementar um sistema de registo automático da presença do advogado nas plataformas Citius/SITAF no próprio dia da sessão.
– Criar uma aba nas plataformas judiciais para confirmação imediata das sessões pelo funcionário judicial.
– Estabelecer um fluxo automático de informações entre o Tribunal e o IGFEJ para agilizar os pagamentos.
– Garantir que o IGFEJ realize pagamentos todos os meses do ano, incluindo Janeiro.
– Disponibilizar no início de cada ano um calendário com as datas de pagamento dos honorários.
– Reduzir o prazo de pagamento para 30 a 45 dias após a confirmação das sessões pelo Tribunal.
O SADT não é apenas um sistema de apoio legal; é um pilar fundamental da democracia portuguesa. É hora de a Ordem dos Advogados reassumir o seu papel de guardião deste sistema tão essencial para a Justiça portuguesa, garantindo que esta mesma Justiça seja verdadeiramente acessível a todos os cidadãos, independentemente da sua condição financeira.