Declaração de interesses: sou sócio de uma sociedade de advogados.
Sou liberal por formação e, portanto, não posso deixar de me congratular pelos esforços de liberalizar a profissão, sobretudo no acesso à profissão, e de maior concorrência no mercado e que este mercado (e não a ordem) tratará de separar o trigo do joio.
Por isso, sou e sempre fui totalmente contra os obstáculos e custos excessivos no acesso à profissão que exerço.
Três anos de estágio (e podem ser mais!) e custos desproporcionados relativamente aos benefícios que a ordem proporciona aos seus associados estagiários é totalmente de repudiar.
E submeter os licenciados em direito a provas “científicas” redundantes é totalmente inútil. Essa avaliação de qualidade é feita pelas faculdades de direito e indirectamente pela tutela do Estado, através da aprovação dos cursos de direito, no respeito pela independência das faculdades.
Aceitaria que fosse efectuada uma prova de deontologia profissional, até porque nas universidades essa matéria não é leccionada.
E como liberal também sou defensor das sociedades pluridisciplinares. Mas tenho alguma dificuldade em perceber porque é que o legislador pondera aceitar esta realidade, mas mantém o regime da transparência fiscal para as sociedades de advogados! Estas irão, assim, concorrer com sociedades pluridisciplinares sujeitas ao regime normal do IRC e isso é concorrência desleal.
Já sou totalmente contra a ingerência que o PS quer levar a cabo conjuntamente com estas inovações – que em bom rigor não são da sua autoria, mas da Comissão Europeia.
Extinguir o Conselho Superior da Ordem e alterar a composição dos Conselhos de Deontologia, incluindo nestes “não advogados”(?), e substituir aquele órgão por um órgão de supervisão integrado maioritariamente por não advogados, com poderes em matéria disciplinar e em matéria de regulação do exercício da advocacia, põem em causa a independência dos advogados e da sua ordem!
Não quero o Estado a regular o exercício da profissão de advogado, nem a sua disciplina deontológica. Aliás, o Estado já o pode fazer e tem-no feito muito mal, bastando pensar nos deveres legais de delação dos clientes pelos seus advogados em gritante contradição com o segredo profissional.
Este Estado (governo) que coloca o ex-ministro das finanças como Governador do Banco de Portugal, que substitui, com contornos suspeitos, a Procuradora Geral da República, o Presidente do Tribunal de Contas, que nomeia por meios escandalosos um procurador europeu, que pratica o nepotismo familiar por diversas formas e feitios, é o mesmo que, sob o pretexto de liberalização da profissão, quer controlar os advogados.
O órgão de supervisão a ser criado terá uma composição de sete membros, sendo apenas três deles advogados, e exercerá, em exclusividade, funções jurisdicionais em recurso, determinará as regras do estágio e da avaliação final, supervisionará o estágio, realizará a avaliação final do estágio, e estipulará as regras da disciplina dos advogados, bem como supervisionará a atividade dos órgãos comuns da ordem dos advogados, regulará o exercício da advocacia e será o órgão que, em exclusivo, se pronunciará sobre as propostas legislativas da Assembleia da República e do Governo.
Isto tudo é inadmissível.
Por que raio é que o conselho de supervisão dos advogados é composto maioritariamente por não advogados? E por que raio é que um órgão de supervisão tem competências próprias e, como convém, em exclusivo? Porque é que será este órgão a ter poderes disciplinares? E se se pretende liberalizar, o que significa regular o exercício da advocacia? E por fim, amordaça a ordem dos advogados, retirando-lhe a crítica às propostas legislativas da AG e do Governo, atribuindo-a, em exclusivo(?), a este putativo órgão de supervisão.
E começou já este amordaçar a ordem, quando a deputada e líder parlamentar do PS, Ana Catarina Mendes, despudoradamente diz que o projecto de lei sobre as ordens não deve ser “matéria de luta na praça pública”. Ora essa!
Só quem não quer ver é que não vê aqui a tentação do PS de também controlar o exercício da profissão de advogado, pilar do Estado de direito. Não passarão!
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.