Há três semanas, na minha estreia como colunista de O Jornal Económico, tentei explicar como, no processo que levou ao colapso do antigo BES, o CEO Ricardo Salgado e os seus colegas de administração foram mais vítimas do que culpados. Hoje, uma década passada sobre a crise que levou à destruição do sistema bancário de raiz portuguesa e à intervenção da troika, essa é uma verdade indesmentível. Como expliquei.

Mas também avancei que Ricardo Salgado caiu por culpa própria, por uma conjugação de Orgulho e Preconceito.

Orgulho, de um gestor vaidoso, que se julgava inimputável (“O Dono Disto Tudo”) e que perante uma crise gigantesca não quis ser igual aos outros, recusando admitir o falhanço de um modelo de negócio e algumas responsabilidades próprias de gestão. Recusou fazê-lo publicamente e, sobretudo, perante a sua família, que nele depositara o destino de um património imenso e a perpetuação de uma saga de banqueiros, a última de banqueiros portugueses, que somava já três gerações.

Preconceito, contra o Estado, normal numa família que sofreu o esbulho das nacionalizações de 1975 e teve de recomeçar, expatriada, a partir de uma base de negócio mais pequena. Um preconceito que também é justificado pela necessidade de não deixar que o Estado visse algumas operações que manchariam o orgulho e o bom nome da família. Operações em offshores e paraísos fiscais, negócios obscuros com governos em Portugal e no estrangeiro, financiamentos a amigos, parceiros de negócios e figuras politicamente expostas, que, apesar de legais, talvez não cumprissem as boas regras de compliance.

Ricardo Salgado sempre acreditou que conseguiria resolver a intricada situação em que se encontrava o BES e o gigantesco grupo que controlava o banco. Pensou numa solução que passasse por manter o Estado à margem, e encontrou-a.

Entre investidores estrangeiros, um empréstimo da Caixa Geral de Depósito e uma garantia estatal, o BES poderia ser salvo, sem custos para os contribuintes, com menos de dois mil milhões de euros. Mas isso só poderia acontecer se o primeiro-ministro e o governador do Banco de Portugal validassem a solução. Como validaram no Millennium bcp, no Banif, no BPI e na própria CGD. Não o fizeram no BES. Porquê? Alegaram interesse público, pressões da União Europeia e do BCE, e a necessidade de que a fatura do BES não fosse paga pelos contribuintes, como aconteceu com o BPN.

Hoje, feita a revisão da matéria e as contas, percebemos que tudo isso era um logro, que custou mais de 10 mil milhões aos contribuintes e aos bancos portugueses e arrasou com todos os poucos centros de decisão nacional e com o maior grupo económico nacional, atirando para os braços de investidores estrangeiros o próprio BES, a Tranquilidade, a Herdade da Comporta e os hotéis Tivoli, entre outras empresas líderes nos seus sectores. Um erro enorme, que um dia terá de nos ser explicado.