No passado dia 4 de fevereiro foi emanada a Diretiva nº 1/2020, que veio determinar que no contexto das relações hierárquicas entre Procuradores do Ministério Público, seja observada e tornada obrigatória a doutrina consagrada no Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República n. 33/2019. O Parecer em causa deu resposta a uma consulta que foi feita pela Procuradora Geral da República, podendo dizer-se, de uma forma muito resumida, que se ocupa da dialética dever de subordinação hierárquica/autonomia interna dos magistrados do Ministério Público.

Não é preciso ser um génio da lâmpada para se intuir que o pedido de Parecer teve como catalisador o episódio, no apelidado “Processo de Tancos”, em que o Diretor do DCIAP se opôs a que os Procuradores responsáveis pelo processo chamassem como testemunhas o Presidente da República e o primeiro-ministro.

Não é meu propósito discutir aqui os méritos ou deméritos da decisão em causa. Mas o que sei é que a decisão foi vista como uma ingerência na investigação e gerou enorme desconforto dentro do DCIAP, desconforto esse – e agora já sou eu a especular – que justificou, inclusivamente, que a PGR procurasse o respaldo do Conselho Consultivo para gerir as situações futuras.

No fundo e de forma simplista, o que está em causa é compatibilizar o dever, que tem honras de consagração constitucional, de subordinação hierárquica dos procuradores do Ministério Público, com o direito de autonomia interna de cada Magistrado, ou seja, a sua autonomia decisória, no limite, resultante da violação da sua própria consciência jurídica.

Pessoalmente preferia uma estrutura de pessoas com autonomia técnica que obedeciam à legalidade e objetividade imposta por lei e ao que as suas consciências lhe ditavam. Mas, ainda que não tenha gostado, não posso dizer que fiquei surpreendido com a orientação que veio a ser trilhada pelo Conselho Consultivo. Já se adivinhava. Bastava pensar-se na instrução que no passado mês de dezembro a Procuradora-Geral distrital do Porto deu aos procuradores da região Norte do país, vedando-lhes a possibilidade, sem a devida autorização, de pedir a absolvição de acusados nos casos de criminalidade mais grave.

A orientação que hoje constitui diretriz obrigatória para o Ministério Público denota o reforço da corporação sobre o indivíduo. O sacrifício da vertente de magistratura à lógica de corpo da instituição. E estou certo que este terramoto de forçar a nota de corpo de “agentes” do Ministério Público em lugar de Magistrados, ira dar azo a réplicas, desde logo e agora por maioria de razão, a discussão sobre a questionável proximidade entre o Ministério Público e a Magistratura Judicial.