O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) nasceu torto, deveria ser usado para resolver o problema da estagnação económica das duas décadas anteriores, mas não passa de um amontoado de projectos sem visão estratégica. Em vez de se focar nas empresas, onde se poderia estimular a convergência com a UE, há um peso excessivo do Estado em todo o programa.
O PRR português foi aprovado pela Comissão Europeia em Junho de 2021 e, a partir daí, houve uma pressa muito estranha em contratar projectos, o que só pode ter prejudicado as escolhas. No segmento da Transição Climática, que representa 18% dos 16,6 mil milhões de euros do total original, metade dos fundos foi contratado em Setembro desse ano e 100% em Janeiro de 2022. No caso da Transição Digital (15% do total), metade já estava contratado em Outubro e o restante em Fevereiro corrente. Para a parte da Resiliência, a mais volumosa (67% do total), aquelas metas foram alcançadas em Setembro e Abril, respectivamente.
Esta rapidez na contratação poderia indiciar uma vontade de execução acelerada, para fazer face às dificuldades que a economia estava a passar com a pandemia e a guerra. Teria alguma desculpa ser pouco criterioso na escolha para que a aplicação destes montantes chegasse o mais rápido possível aos beneficiários. No entanto, não é nada disso que tem sucedido, antes o oposto. Onde deveria haver celeridade, tem havido os mais prolongados, inexplicáveis e inexplicados atrasos.
O Governo ainda tentou prolongar a execução do PRR para além de 2026, mas a Comissão Europeia mostrou-se inflexível. Considerando os montantes iniciais e o prazo de execução de cinco anos, deveriam ser realizados, em média, pagamentos de 277 milhões de euros por mês. Sublinhe-se que nem sequer há qualquer desculpa de falta de liquidez, por duas razões: a Comissão entregou 3321 milhões de euros até Maio; a execução orçamental de 2022 tem estado sempre acima do orçamentado, atingindo em Setembro um excedente excepcional de 5253 milhões de euros.
A execução do PRR foi beneficiada com cerca de mil milhões de pagamentos feitos ainda em 2021, mas, nem assim consegue cumprir as metas. Considerando apenas os dez primeiros meses de 2022, já deveriam ter sido pagos 2770 milhões de euros, mas ainda só foram entregues 2293 milhões. Poderíamos pensar que teria havido um atraso inicial, mas que agora estava a ser compensado, mas não é isso que se passa.
Nos últimos três meses só foram feitos, em média, 128 milhões de euros de pagamentos, menos de metade dos 277 milhões que deveriam estar a ser realizados. Em Outubro, o valor ainda foi pior do que isso: 54 milhões apenas. Ou seja, não só existe um enorme atraso acumulado na execução do PRR como todos os meses a pilha dos atrasados vai crescendo. O pior de tudo é que o governo não reconhece que existe um problema, não explica as razões e não propõe soluções.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.