Em vésperas de eleições, não há que enganar, os funcionários públicos sabem, garantidamente, que beneficiarão da generosidade dos governos, sejam estes de esquerda ou de direita, os quais pretendem assegurar o voto de uma significativa fatia da população portuguesa.

A forma de distribuir a verba do orçamento referente aos aumentos pelos quase 700 mil funcionários públicos é que gera, tradicionalmente, alguma controvérsia, situação que, aliás, este ano se repete. Dever-se-ão beneficiar aqueles que têm rendimentos mais reduzidos ou, pelo contrário, dever-se-á repartir equitativamente a verba por todos, numa lógica de universalidade dos aumentos? Será mais justo efetuar um aumento em valor absoluto ou, ao invés, dever-se-á recorrer a aumentos percentuais?

Não sendo possível recorrer-se à atribuição de aumentos salariais na função pública baseados nos mérito de cada um dos funcionários (as tentativas que se fizeram neste domínio foram sempre um enorme fracasso), resta definir qual o valor dos aumentos e quem serão os abrangidos pelos mesmos.

Para um governo que se diz de esquerda (embora, curiosamente, muitas das medidas que têm sido aprovadas beneficiem sobretudo os menos carenciados, de que é manifesto exemplo a extinção da sobretaxa extraordinária) seria mais lógico, diríamos mais justo, dar mais a quem tem menos, repartindo a verba disponível para aumentos (cerca de 50 milhões de euros) apenas por aqueles que menores salários auferem. No entanto, esta opção, manifestamente lógica e justa, poderá não trazer os benefícios eleitorais que o governo espera recolher ao adotar uma medida desta natureza.

Uma repartição universal do valor decidido pelo governo para o aumento dos salários na função pública resultaria na atribuição indiferenciada de €5,00 a cada funcionário. Ora, esta verba seria uma migalha para os mais carenciados e nem seria percetível por parte dos que auferem rendimentos mais elevados. Na realidade, aumentar o salário de alguém que aufere €600,00 por mês em €5,00 não lhe permitirá qualquer alteração na sua forma de vida e fazê-lo em relação a quem recebe €3.000,00 por mês será completamente insignificante, permitindo-lhe, quando muito, meter mais três litros de gasolina por mês.

Uma divisão percentual dos aumentos seria, a meu ver, ainda mais injusta. A aplicar-se, por exemplo, um aumento de 1% nos salários dos funcionários públicos, um funcionário que aufere €600,00 por mês veria a sua retribuição aumentada em €6,00 por mês, enquanto um funcionário que receba €3.000,00 teria direito a um aumento de €30,00 por mês, cavando-se, ainda mais, o fosso entre os mais e os menos carenciados.

Não temos, pois, dúvidas em advogar que os aumentos devem, em primeiro lugar, ser em valor absoluto e não em termos percentuais e, em segundo lugar, que estes só devem beneficiar aqueles que realmente deles mais necessitam.

Se, como tem vindo a público, um aumento de €35,00 por mês aos funcionários públicos mais mal pagos levará ao esgotamento da verba disponível no Orçamento do Estado para aumentos salariais, só cobrindo 96 mil funcionários públicos, então os demais devem aceitar a estagnação dos seus rendimentos (ou mesmo o decréscimo real dos mesmos atendendo à inflação) em prol de uma justiça social que todos, de direita e de esquerda, deveríamos defender.

Se €5,00 para alguém que aufere €3.000,00 é uma gota de água no oceano, €35,00 para alguém que ganha €600,00 pode fazer uma enorme diferença em termos de nível de vida e garantir maior dignidade a todos aqueles que labutam diariamente para chegar ao final de cada mês.

Não defendo, filosoficamente, a igualdade salarial, a qual é manifestamente utópica e injusta, mas, em tempos de vacas magras, é fundamental garantir uma maior solidariedade social, fazendo com que sejam os mais carenciados que mais se alimentam à mesa do orçamento.