As eleições presidenciais resumir-se-ão, com grande probabilidade, a uma aclamação pelo voto de Marcelo Rebelo de Sousa. A popularidade do Presidente da República é elevada, fruto de uma presidência de proximidade ao homem comum e de um exercício da função assente no alívio das tensões políticas e na procura de consensos. Não precisará sequer de fazer campanha, pois o seu mandato foi a melhor que poderia ter feito e não é de excluir que ultrapasse o resultado de Mário Soares em 1991.

Os demais candidatos não têm, portanto, a vida facilitada, embora não seja de crer que algum deles esteja verdadeiramente persuadido de que pode ganhar as eleições. Assim sendo, as candidaturas têm outros propósitos, diferentes para cada um deles.

Ana Gomes pretende preencher o vazio de candidatos na área socialista e dar visibilidade ao seu combate aos vícios do sistema. Porém, arrisca-se a que os socialistas fiquem associados a um muito fraco resultado e, no que concerne ao seu empenho na cruzada saneadora da vida pública, embora meritório, é legítimo duvidar que, se fosse eleita, o mantivesse, o que diminui a força da sua mensagem.

Militante de um partido do poder e com carreira na diplomacia, mister exercido por uma das mais conservadoras e institucionalistas corporações de servidores públicos, eminentemente pragmática e realista (no sentido de realpolitik, claro está), mais provável seria que, investida no ofício supremo do Estado, sobrepusesse às suas causas a raison d’État, adaptando-se ao cargo ao invés de o adaptar ao seu estilo interventivo, o qual comprometeria o equilíbrio entre os poderes que a prática constitucional das últimas três décadas e meia cristalizou.

Marisa Matias e João Ferreira apresentam candidaturas exclusivamente destinadas a dar palco ao BE e ao PCP, como é hábito dos candidatos presidenciais destas forças políticas. As suas campanhas serão uma repetição em versão fulanizada da campanha para as eleições legislativas, pois é certo que se limitarão a repetir as propostas dos seus partidos. Não tendo quaisquer hipóteses de se mudarem para o Palácio de Belém, não perderão tempo de antena a perorar acerca da forma como exerceriam as competências do cargo a que se candidatam.

É certo que a campanha eleitoral, face à pandemia, não decorrerá na forma costumada. Porém, se não vamos assistir às habituais arruadas, vamos seguramente ter arruaças, promovidas pelo inefável André Ventura. Assumindo-se como uma espécie de “Trump dos pequenitos”, distribuirá insultos e insinuações sobre os demais candidatos, sem grandes preocupações de verdade, proferidos em intervenções inflamadas, num nível de decibéis inversamente proporcional ao dos argumentos. Com um projecto político pessoal alimentado por uma pantagruélica ambição, candidata-se hoje a Presidente da República, tal como se candidatou ontem a deputado e se candidatará amanhã a presidente da Câmara de Lisboa e a eurodeputado.

Quanto aos demais candidatos, o espaço concedido a este artigo não permite que a seu respeito se diga grande coisa. Apenas que são tão legítimas como as demais e que, somadas a estas, revelam pelo menos uma coisa: a democracia portuguesa continua bem de saúde e recomenda-se.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.