1. As sucessivas comissões  parlamentares de inquérito a casos vários, como agora a do Novo Banco, mostram algo que tenho como adquirido há muitos anos: os bancos, nomeadamente o antigo BES, a determinada altura quiseram operar fora da área financeira – em zonas habitualmente generosas para a remuneração do capital – e escolheram os seus capatazes em diferentes sectores.

No imobiliário, obviamente, mas também noutros, como na comunicação social e no futebol (estes pelo poder e capacidade de influência), o casting fez-se pelas garantias, pelos números verdes dos depósitos que essas pessoas tinham na altura e pela liquidez dos respetivos negócios originais.

2. Os bancos não forneciam apenas o crédito. Tendo em conta, até, a incapacidade de planeamento, operação e a mediocridade das respetivas organizações dos ‘eleitos’, forneciam-lhes a estratégia e os planos antes de disponibilizarem o dinheiro na conta, já descontada a comissão, sempre de vários milhões, da agilização dos diversos negócios.

Os bancos, através dos seus departamentos de ‘investimento’, criaram assim uma outra linha de receita. Era pagar ou largar. A dependência tem sempre um preço.

Obviamente, os capatazes, que tentavam descobrir quantas lagostas eram capazes de deglutir ao dia e se lamentavam de nem ter casa própria, por serem inquilinos de empresas offshore, aceitavam e viviam aparentemente felizes. Tidos como ‘empresários de sucesso’ e ‘gestores de nomeada’, vingavam-se nos empregados dos restaurantes que sempre tratavam depreciativamente por ‘tu’.

3. Ao mesmo tempo, como também já se viu, as pessoas que na altura tinham a alcunha de ‘banqueiros’ associaram-se ao pior da política para moldarem o capital acionista de diversas grandes empresas e, assim, nomearem os diversos chairmans, presidentes executivos e restantes membros de conselhos de administração, além de outros felizes contemplados com senhas de presença.

Novos capatazes receberam dinheiro para conseguirem participações acionistas importantes. Chegou-se ao ponto de a mesma pessoa estar em empresas concorrentes com participações qualificadas – na área das telecomunicações, por exemplo.

É dessa altura a chegada à área ‘de referência’ de diversos ‘homens de sucesso’, agora transformados em grandes devedores, que, como se vê, não têm a mínima qualificação para aparecerem em público. Se se sujeitam ao vexame destas sucessivas indignidades transmitidas em direto é só porque precisam que o dinheiro dos nossos impostos lhes salve as dívidas que acham injustas.

Podia dar nomes, para além daqueles que têm desfilado nas televisões com os cérebros a zeros, desmemoriados de tudo o que fizeram na vida, mas acredito que tal não seja necessário, e nem sequer é relevante.

4. Um poder político digno desse nome deveria dar à Justiça os meios para poder fornecer alguma dignidade ao processo. Castigar os desmandos do passado é sempre a melhor maneira de construir um futuro diferente, sobretudo agora que estamos a assistir ao julgamento de uma época.

E, como também vemos, não é assim.

Os ‘revolucionários’ que caem sobre as recentes declarações de António Barreto [“A Justiça do antigo regime era mais séria do que a de agora”], pretendendo não querer entender a caricatura com que ele procura chamar a nossa atenção para a entropia do sistema, são cúmplices, sempre foram, destes desmandos em exibição. Fazem parte de maçonarias várias, que defendem interesses e procuram inocular à volta uma adorável ideia de liberdade. Fossem todos apenas patetas certificados e não haveria problema.