A pandemia acelerou tendências e trouxe tendências novas – digitais, automação – que terão implicações muito importantes na vida dos cidadãos. Por exemplo, formas e tipos de trabalho diferentes, novas competências ou a relação com a informação.

Nas últimas décadas tem sido evidente uma cisão na Europa com os valores tradicionais, uma espécie de rebelião dos eleitores contra os valores tradicionais do centro político, que se materializou numa perca de popularidade do modelo europeísta e da globalização como mecanismo de conquistas sociais e de progressão.

Agora que parece estar ultrapassada a fase mais crítica da luta sanitária, e perante uma agenda de mudança estrutural, ganha palco a questão também no campo da relação entre cidadãos e seus representantes eleitos:  como podem os políticos reconstruir uma esperança de progresso individual junto dos cidadãos para atravessar a próxima década, que se crê de grande transformação?

O Internacional Affairs Network (IAN), numa iniciativa que contou com colaboração do Jornal Económico, promoveu na semana passada um debate que procurou discutir caminhos sobre a relação entre os cidadãos e a política no ciclo pós-pandemia.

A conversa, que contou como oradores com os deputados Jamila Madeira (PS) e Pedro Rodrigues (PSD), centrou-se nas diversas vertentes e desafios de transformação com que a Europa e Portugal deverão lidar durante a próxima década, e na forma como os políticos, e sobretudo o centro político, deverá relacionar-se com os cidadãos. Que cicatrizes políticas e sociais nos deixa a pandemia para tratar?

As diferenças de rendimentos e desequilíbrios gerados, por exemplo, entre género – acentuando o aumento do gap salarial entre homens e mulheres – ainda surge como um desequilíbrio relevante para dirimir na Europa e em Portugal, mais exposto com a pandemia. Será que as ajudas financeiras europeias podem, de certa forma, ajudar a repor no trilho certo um processo de cisão entre os cidadãos e os seus representantes? Ou, por outro lado, precisaremos de ir mais além e promover políticas públicas que acrescentem mais confiança aos representantes públicos?

Numa outra frente, a identificação das novas gerações com a política tradicional foi também um tema de interesse a seguir no debate promovido pelo IAN, que pode moldar as próximas décadas. As novas gerações políticas e o carbono zero, em momentos decisivos como a COP26, são um novo e desafiante tema. Temos visto movimentos significativos de alguns ativistas jovens (como Gretha Thunberg) cuja grande agenda política assenta na imperativa necessidade de salvar o planeta do desastre ambiental. Ao mesmo tempo, a sustentabilidade vai entrando no léxico político corrente.

Até que ponto poderá esta emergência climática moldar a ideologia política para o futuro? E as novas gerações, poderão trazer novas causas disruptivas e antissistema passíveis de enquadrar-se no centro político? E até que ponto será necessário uma espécie de pacto social europeu com os cidadãos que devolva conforto no que respeita à evolução da qualidade de vida nos países europeus, e que reconcilie o centro político com os cidadãos?

Não existem, como é obvio, respostas concretas e imediatas a todos estes desafios. É provável, que no final do dia, os partidos se moldem à maior exigência dos eleitores no campo da proximidade, promovam uma maior transparência e combate às desigualdades que podem advir das agendas transformadoras, sem perder ímpeto na implementação de reformas que de facto posicionem a Europa e Portugal nesta agenda de sustentabilidade, que está já aí a porta. Não o fazer, e ignorar uma emergente geração que anseia pela reposição dos desequilíbrios climáticos de décadas, ou ignorar que a automação pode trazer problemas sociais se não for bem gerida em termos de transição, é incumprir com os princípios fundadores do projeto europeu.

As reformas da economia, que será mais verde e com potencial de gerar novos empregos e qualidade de vida, deve também incluir uma vertente da reconstrução da cidadania e do sentido de pertença a uma sociedade livre e democrática.