A velha e cómoda narrativa, segundo a qual os políticos são  malandros, que coloca, por sua vez, os cidadãos na posição de meros inocentes , serve somente para desresponsabilizar os cidadãos das suas escolhas político-eleitorais. Acaba por ser sempre mais fácil imputar a culpa a terceiros, precisamente aos políticos, do que assumir as consequências dos nossos actos e decisões.

Neste sentido, seria mais fácil, por exemplo, afirmar que a ascensão de Adolf Hitler ao poder, na Alemanha, antes mesmo da instalação do regime nazi, não resultou de uma escolha eleitoral dos cidadãos alemães. De facto, foi, sim, uma escolha dos cidadãos que participaram na eleição de um ditador responsável pela morte de milhões de alemães. Podemos, talvez, pensar que no contexto de regimes autoritários não faria sentido imputar este tipo de responsabilidade aos cidadãos. No entanto, essa narrativa desconsidera a participação dos cidadãos nos regimes autoritários. Só existiram (e continuam a prevalecer) regimes autoritários pela adesão de uma parte dos sujeitos de uma comunidade.

Assiste-se, hoje, no espaço mediático (nas redes sociais) a uma recuperação do discurso dominante nos regimes autoritários, através do ressurgimento de lideranças populistas. Este discurso, fortemente alimentado pelos líderes populistas, é apresentado como uma solução política para  os males da democracia. Este discurso prevalece no espaço político porque muitos cidadãos o suportam através de likes e partilhas. Um fenómeno que pouco se distancia das manifestações de apoio aos regimes autoritários do Século XX, que sempre contaram com o suporte das massas populares, ao ponto de alguns cidadãos participarem activamente nos órgãos de repressão política (através da delação).

Por outro lado, seria possível aceitar essa narrativa de inocência dos cidadãos se os políticos malandros tomassem de assalto o poder sem o consentimento dos cidadãos. É na questão do voto que se pode desfazer esse mito da inocência dos cidadãos. Alguns cidadãos tomam a  decisão de entregar a sua escolha política nas mãos de outros quando decidem abster-se ou  votar em branco. Nos regimes autoritários não há votação justa ou livre, existindo, sim, um silenciar face às atrocidades e más práticas. Por isso, um cidadão consciente dos seus direitos tem o dever cívico de exercer e reivindicar os seus direitos.

Importa ainda referir, em matéria de vitimização dos cidadãos, que é o próprio cidadão que sinaliza, através de sondagens, estudos de opinião e, actualmente, de likes e partilhas de conteúdos dos políticos, as suas preferências. Isto demonstra que um político consegue agir (e adaptar a sua estratégia de comunicação) antes mesmo das eleições à luz do grau de aceitação do seu discurso e comportamento público. Assim sendo, é pouco consentânea essa tese sobre a inocência cristalina e imaculada dos cidadãos, principalmente em regimes democráticos, onde o político chega ao poder através de um consentimento democrático directo materializado nas eleições.

Uma sociedade civil crítica dos políticos deveria concluir, em última instância, que tem em si sérias responsabilidades devido às escolhas que realiza através do acto eleitoral. Acabando, por isso, por ser falsa a visão segundo a qual uma sociedade é feita de bons cidadãos e de maus políticos, porque as escolhas políticas são um reflexo directo da sociedade. Os políticos não nascem das árvores, são um produto da sociedade civil. Em suma, os políticos são malandros pelas oportunidades que os cidadãos lhes fornecem.