Pedro Nuno Santos – ministro das Infraestruturas – apresentou em abril o novo Plano Ferroviário Nacional (PFN), que cita a expansão da ferrovia como vital para levar avante a preservação do ambiente. O Pedro Nuno de abril deveria conhecer o Pedro Nuno dos restantes meses, já que o segundo é o patrono da construção do aeroporto do Montijo, um atentado ambiental.

Não faltam motivos para investir na ferrovia. O estado lastimável da rede de caminhos de ferro é conhecido. As últimas décadas foram marcadas pela redução da rede ferroviária, passando de 3.600 km no pico para cerca de 2.500 km hoje. Portugal é o único país da Europa Continental com mais quilómetros de autoestrada do que ferrovia.

O PFN prevê ferrovia em todas as capitais de distrito, eletrificação de toda a rede e expansão de composições nas zonas suburbanas. O Governo não perdeu tempo a usar o plano como “prova” de empenho na transição energética.

Conjugar a ferrovia e a transição energética faz sentido. Num mundo que caminha para o colapso climático, as emissões têm que ser drasticamente reduzidas e a ferrovia ganha importância, porque abre a porta a que as deslocações sejam livres de emissões, desde que a energia elétrica provenha de fontes renováveis. A eficiência nos consumos energéticos e a não necessidade de baterias cimentam o potencial.

Quando o tema é aviação, a agenda climática dissipa-se. O projeto de um novo aeroporto é um atentado climático. No pré-Covid, o setor da aviação era responsável por pelo menos 5% do aquecimento global. Novos aeroportos significam necessariamente mais aviões, implicando aumentar o impacto do sector. Estes factos são deslembrados por Pedro Nuno Santos quando insiste, sem tréguas, na construção de um novo aeroporto.

Nenhum plano de investimento na ferrovia expia o dano do aumento da aviação. Ou as metas de redução de emissões são compatíveis com a ciência ou não o são, não existe meio termo.

O propósito da expansão da ferrovia tem que ser substituir os meios de transporte poluentes. Os comboios servirão para substituir os aviões que circulam agora, não existem artes mágicas para estes absorverem as emissões da aviação.

Encher títulos de notícias com anúncios de projetos ferroviários não é uma inovação. Em 1999 a ligação de 1h15 entre Lisboa e Porto era anunciada. Em 2006 José Sócrates trazia o plano da alta velocidade entre Lisboa e Porto e Lisboa e Madrid. Nunca aconteceram.

Há um ano, a ministra da Coesão Territorial chegou a afirmar que não era prioritária a ligação ferroviária entre Lisboa e Madrid, ainda hoje fechada, porque o avião cobria esse percurso. Quando a bola passa para Pedro Nuno Santos, este argumento já não é invocado, mas o fracasso é justificado citando a dependência de decisões de Espanha como o fator impeditivo.

Para este Governo, as alterações climáticas são um assunto a empurrar, não a resolver. Tirar de um lado, pôr no outro, e esperar que ninguém note que o que é necessário fica por fazer. Não se combatem alterações climáticas com projetos simbólicos e pontuais. Descarbonizar nos transportes significa um plano de cima a baixo, que contemple todos os transportes e reduza as emissões no conjunto.

É na falta da ação necessária por parte do governo que Em Chamas vai sair à rua no próximo dia 22. Porque uma transição energética nos transportes implica reduzir os modos poluentes como a aviação e crescer em modos eletrificáveis como a ferrovia, com os impactos laborais da transição a serem geridos e compensados socialmente. Quando o governo falha, cabe aos cidadãos agir.