Vivemos vésperas de mais um saque fiscal indiscriminado. Com impostos cegos sobre produtos de consumo, o Governo generaliza o aumento fiscal para todas as famílias e indivíduos, independentemente do seu rendimento. É bom que não ignoremos que um aumento de 10 cêntimos num produto de primeira necessidade tem um impacto muito mais violento num agregado que aufere 600 euros do que num agregado que usufrua de 10 mil euros; é aritmética básica. Os impostos sobre o rendimento, se bem aplicados, podem reflectir um princípio de proporcionalidade e justiça fiscal. Os impostos fixos sobre bens de consumo, obviamente, penalizam gravemente aqueles que menores rendimentos têm.
Pelo meio, na proverbial demagogia de Costa, anunciam-se impostos estúpidos sobre o património, afugentando o investimento e estimulando a fuga de capitais. Mariana Mortágua, um dos braços armados de Costa, acha que contenta os pobres ao anunciar a perseguição a quem tem algum. Acredita no espevitar dos piores sentimentos, acredita que as pessoas se preocupam menos em viver melhor, do que em ver os outros a viver pior. Pelo caminho, viverão todos seguramente muito pior, fruto da desonestidade política de quem assim norteia a governação, e de todas as consequências decorrentes dos efeitos perversos de medidas insustentáveis. O novo escândalo, mais um, de quem tutela os assuntos fiscais, convoca uma reflexão que não pode deixar de ser feita e que é assustadoramente ilustrativa do tempo político que vivemos.
No último governo que tivemos composto por vencedores de eleições, a esquerda não poupou esforços a vasculhar, escrutinar e avaliar com severidade a vida de cada governante. Miguel Relvas depressa se tornou o bombo da festa. Basicamente, porque não gostavam dele, porque adivinhavam que seria mais fácil, dado o país ter interiorizado que Relvas era daquelas pessoas de quem não se gosta, não importa porquê. Depois de muito vasculhar, lá descobriram o processo de licenciatura de Relvas. O processo existiu, não dignificou a universidade, manchou a reputação do aluno. Foi um caso de patetice, vaidade e facilitismo; tanto que, ao abrigo da legislação em vigor, qualquer universidade poderia ter admitido Relvas directamente num mestrado sem dúvidas nem escândalo.
Na altura, Relvas era um dos homens politicamente mais fortes do governo. Nunca ninguém demonstrou, nem os mais afoitos guardiões da transparência selectiva, que a Lusófona tivesse remotamente usufruído de qualquer vantagem, benesse ou favor do Governo que Relvas integrava. O facto de Relvas ser um ministro forte do governo, não impediu que o Ministério da Educação do mesmo governo investigasse a Lusófona a fundo, com rigor e transparência inquestionáveis, e identificasse os casos duvidosos, obrigando a consequências exemplares; no caso particular de Relvas, a anulação da sua licenciatura. Relvas saiu do governo sem irregularidades conhecidas no âmbito das suas decisões governativas; Pedro Passos Coelho fez questão, independentemente da amizade que os unia, de que todos os processos fossem claros e exemplares, concluindo-se com as consequências políticas que todos recordamos.
Num profundíssimo contraste com esta prática de transparência e responsabilização política dos governantes, o Governo actual convive alegremente com práticas políticas insustentáveis dos seus titulares. Rocha Andrade, escrevi-o há meses, deveria ter-se demitido rápida e discretamente aquando do escândalo Galp/Euro 2016. Ficou, teve o beneplácito de Costa, para quem as coisas da transparência são uma maçada, uma arma de arremeço para usar oportunisticamente, nunca uma prática a defender pelo que em si própria representa de mais-valia para a credibilização do Estado.
Rocha Andrade não tem emenda. É um reincidente em episódios duvidosos, um trapalhão nas explicações esfarrapadas que o seu ministro desmente, um caso sério de embaraço político. Não decidirá o perdão fiscal para valorizar as acções que detém na EDP, mas obviamente não as pode ter se produzir legislação que beneficie a empresa. Como também já não podia ter usufruido do presente da Galp, tendo esta um contencioso com o Estado que Rocha Andrade temporariamente representa. A continuar assim, as acções que detém no BCP ainda hão-de dar que falar.
Como facilmente se conclui, Rocha Andrade não é Miguel Relvas. Na dúvida, por muitíssimo menos, por nada que tivesse interferência directa com a acção governativa, Relvas deixou o governo para proteger o Estado. Rocha Andrade arrasta-se sem vergonha, nem vestígio de preocupação com a credibilidade do Estado.
Como também facilmente se conclui, António Costa não é Pedro Passos Coelho. Na dúvida, por muitíssimo menos, por nada que tivesse interferência directa na acção governativa, Passos ordenou que se investigasse, agisse e que houvesse consequências, pondo acima das amizades o interesse do Estado. António Costa, por sua vez, dribla, assobia para o ar, esfarrapa-se em desculpas de mau pagador, protege o amigo em detrimento do interesse do Estado. Se dúvidas ainda alguém as tivesse, estão cristalinamente esclarecidas.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.