Matrimónio. Trabalho. Aquisição de habitação ou de automóvel. Partilhas. Estes são apenas alguns dos muitos aspectos da vida em sociedade que são regulados por contratos. Todos esperamos que os contratos sejam respeitados e honrados. A violação, retrospectiva de contratos, sob qualquer pretexto, sabemos que nos conduz ao imprevisível.

Na construção filosófica do Estado moderno, tal como formulado pelos Iluministas, a autoridade absoluta de reis, príncipes e bispos, foi substituída por leis universais que a todos se aplicam, sem distinção de estatuto social.

Os cidadãos concedem ao Estado o privilégio e o monopólio da defesa interna e externa, a representação face a terceiros Estados e a administração das leis e da justiça. São estes os pilares de um Estado moderno. Um Estado que arbitra disputas, que se baseia no Direito Natural (e não em qualquer suposta interpretação de um Direito Divino) e na igualdade de todos perante a lei.

Um Estado que dá o exemplo e se norteia por elevados padrões éticos, procurando sempre o Bem Comum.

Tudo isto a propósito da rábula parlamentar em torno de quase certa nova injeção no Novo Banco, por parte do Fundo de Resolução. Em 2014 fomos dos poucos que escreveram que ao velho BES deveriam ser afectos a totalidade dos créditos da sua carteira e ao Novo Banco os depósitos e uma base de capital sem ónus ou legados. E que o Novo Banco deveria ficar, temporariamente, na esfera pública. Financiando, prioritariamente, as PME e microempresas portuguesas. Hoje parece óbvio que assim deveria ter sido. Mas não é isso que está em causa.

Os trabalhadores, e provavelmente os clientes, os fornecedores e os obrigacionistas, sentem que o seu Novo Banco é uma arma de arremesso político. Num jogo perigoso, em que alguém parece querer colocar na berlinda a viabilidade de milhares de postos de trabalho, no banco e nas empresas suas clientes. Ignorantes que são do potencial de um choque sistémico, cuja magnitude pode ser similar ao de uma pandemia.

Um arremesso político jogado por incautos que querem fazer tábua rasa dos contratos e compromissos da República Portuguesa.

Nada temos contra auditorias. Mas se permitirmos que contratos, livremente celebrados entre as partes, sejam rasgados pela República, nada mais estará a salvo.

Está nas mãos dos cidadãos mostrarem o seu repúdio por jogadas políticas que em nada os beneficiam. Os trabalhadores bancários estão fartos de serem vilões de culpas alheias.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.