Uma das conquistas mais importantes do 25 de Abril foi a noção de direitos políticos óbvios (liberdade de associação, liberdade de expressão, entre outras) e de direitos sociais como sendo duas faces da mesma moeda. Foi nesta esteira ideológica de pluralismo político e social, largamente maioritária na sociedade portuguesa, que fermentou a vontade política que deu origem ao Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Naturalmente, hoje não se discutem os méritos do SNS, amplamente aceites, mas sobretudo os mecanismos e incentivos que devem ser introduzidos, ou melhorados, no sentido de assegurar a sua continuidade nas próximas décadas.

A diminuição da mortalidade infantil, ou o prolongamento da esperança de vida, para patamares dignos de primeiro mundo, são talvez as maiores conquistas do SNS. Esta última tem sido algo menosprezada, agora que a nossa sociedade prossegue com afã o culto do novo. Em todo o caso, importa realçar que Portugal tem uma das maiores esperanças médias de vida, à nascença, no mundo inteiro. E isto, sendo um factor de elevação social, acarreta imensos desafios sobre os sistemas de previdência, trabalho e profissões, e saúde.

A conjugação da queda da mortalidade infantil, o prolongamento da esperança de vida e a queda da natalidade, tornaram Portugal num dos países mais envelhecidos do mundo. Esta é uma tendência tanto mais preocupante na medida em que não se fizeram os investimentos público e privado necessários para assegurar uma reforma e velhice activas e com qualidade de vida.

De facto, a rede pública de cuidados continuados em Portugal é muito incipiente e tem falta de camas e de profissionais qualificados no sistema público. Nos hospitais e nos agrupamentos de saúde pública, os quadros de pessoal, nas especialidades críticas para assegurar cuidados continuados às populações dependentes, chegam a ser inferiores a um sexto do que preconizam as leis e os quadros regulamentares.

Nesta altura, a oferta pública será inferior a 15% das necessidades do país, estando mais de 100 mil pessoas, a maior parte idosos com médio ou elevado estado de necessidade de cuidados continuados especializados, entregues às famílias e vizinhos, ou abandonados, pura e simplesmente. Esta realidade contempla tanto aqueles que estão acamados, totalmente dependentes, como os de menor estado de dependência, mas ainda assim a precisarem de assistência para banhos, higiene diária, cuidados de enfermagem, actividades lúdicas, toma de medicamentos, preparação de refeições, entre outras necessidades.

A quase demissão ou ausência gritante do Estado coloca uma pressão insustentável sobre os descendentes familiares, quando existem, sobre os subsistemas de saúde e sobre a rede de assistência de solidariedade social.

Trata-se de uma pressão particularmente grave no caso dos subsistemas de saúde. Amiúde estabelecidos por contratação colectiva entre empregador e sindicatos, em sectores como o funcionalismo público, telecomunicações, serviços postais, banca, energia, entre outros, estes são meramente complementares, e não propriamente substitutivos do SNS.

Os subsistemas de saúde, importa deixar bem claro, não têm a vocação, nem os recursos financeiros, para serem substitutos do SNS nesta matéria. Ainda assim, como é evidente, não podem ficar indiferentes ao drama dos mais velhos. Ignorar esta realidade seria um retrocesso civilizacional e uma negação do carácter mutualista dos subsistemas complementares.

Do nosso lado, como sempre, não ignoramos os desafios. Em 2019 vamos consagrar valiosos recursos para tentar mitigar esta falha do Estado. Ironia do destino, um dos países do mundo com maior longevidade é simultaneamente um dos países onde a qualidade de vida no envelhecimento é menor. Naturalmente, cabe à sociedade exigir mais dos seus responsáveis políticos. Mas cabe também aos sistemas mutualistas liderarem, pelo exemplo, mostrando como é possível dar resposta e chamando o Estado às suas responsabilidades.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.