A primeira vaga da pandemia trouxe, ao virar da esquina, uma inédita realidade para as pessoas e para as organizações. Tudo se tornou novidade num cenário em que era necessário manter o ritmo de trabalho e as operações a funcionarem em pleno. Se dúvidas existiam sobre a importância de um bom plano de continuidade de negócio, eis que a sua utilidade foi posta em prática. Funcionou. Como sempre funcionam as pessoas, as equipas, cujo espírito de uma cultura com nove séculos transporta a agilidade e a capacidade de adaptação no seu ADN.

Um misto de desconhecimento, novidade e, por tal, receio, invadiu o mindset dos trabalhadores. Mas, ao mesmo tempo que se adensavam os receios, também emergia a curiosidade e o entusiasmo de participar num momento histórico, perante o qual ninguém baixou os braços. De repente, replicou-se a forma de organização física no espaço digital. Dias mais tarde, a colaboração em tempo real era uma evidência.

Os desafios foram-se colocando à manutenção dos níveis de produtividade que um trabalho a partir de casa coloca, conjugando espaço familiar com ambiente profissional, nem sempre fácil de equilibrar. Muitos foram lestos em afirmar que se tinham adaptado e que tinham aumentado a sua eficiência: as reuniões começavam a horas e terminavam com conclusões e tarefas bem definidas, de forma consequente; os colegas estavam sempre disponíveis ao alcance de um toque no Teams; os processos estavam mais organizados de forma digital. Num par de semanas, tinha-se operado uma verdadeira revolução digital nas empresas.

O verão entrou. E com ele, o sol, a praia, o campo, o ar livre. Enchemos os pulmões de ar puro e olhámos para trás com a ideia que a etapa tinha sido vencida. No regresso, novo pesadelo se abateu sobre as nossas cabeças. Iniciava-se a segunda vaga.

Se, à primeira o desafio da motivação tinha sido vencido, na segunda corremos o risco de ser tolhidos pela exaustão. Desafiar a baixa moral propiciada por um “ainda não acabou” conjugada com um dezembro festivo sem família unida, sem o toque, sem o abraço, sem o afeto, é duro. Muito duro. Nunca fui militar, mas em tempo de guerra, os camaradas de armas sentiam os afetos da quadra natalícia. Nem que fosse na caserna. Agora, no meio de uma segunda vaga de pandemia, ao conforto do lar falta a presença dos entes mais chegados. Não restam dúvidas que o homem é um animal gregário, que hoje é desafiado a trazer para o virtual os afetos de que precisa para se sentir verdadeiramente completo.

Há uma mística que envolve o ritual do Haka, uma espécie de dança originária nas tribos maori do pacífico sul. Fazem-no para bem receber os visitantes e afastar o que de mal paira no ar. Um misto de paixão e de coesão que nos transporta para a concretização do objetivo de ganhar como meio para atingir a felicidade. Os All Blacks, equipa de râguebi neozelandesa, transportam esse ritual para o campo em que disputam o jogo com os adversários. Dando-lhe as boas vindas no início do encontro. O momento é de uma mística inigualável, que diferencia e caracteriza aquele espírito de equipa.

Podemos estar em casa, no Porto, em Lisboa, em Londres, em Banguecoque ou em Auckland. A trabalhar em equipa em projetos conjuntos. De elevada produtividade e com excelentes resultados, mas nunca cumpriremos os nossos rituais via Zoom ou Teams. Porque o toque, o afeto, a mística da união são insubstituíveis e fazem parte da nossa cultura. E esse é, cada vez mais, o maior desafio que se coloca aos responsáveis pela gestão e liderança de equipas nas organizações que servimos. Porque é importante fazer acontecer o Natal. De qualquer jeito.