A ninguém surpreendeu a exoneração de Mário Centeno do cargo de ministro das Finanças apesar do péssimo momento escolhido. Era há muito conhecida a sua vontade de sair, coincidindo com ser há muito também sabido qual o seu pretendido destino. A esse respeito, como tive ocasião de escrever nesta coluna logo que essa possibilidade foi suscitada, sou contra a transição de Centeno do Ministério das Finanças para o Banco de Portugal. E foi por isso que votei favoravelmente na Assembleia da República, na passada terça-feira, a proposta do PAN para que exista um “período de nojo de cinco anos” na nomeação do governador do Banco de Portugal, para todos aqueles que tenham desempenhado funções no Governo, na banca ou em consultoras que tenham trabalhado com o regulador do sector bancário.

Isto depois de ter sido rejeitado em maio, no mesmo parlamento, um projeto do CDS que visava precisamente “evitar transferências” de ex-governantes para cargos de liderança nas diferentes entidades reguladoras.

Desejo a Mário Centeno um futuro à medida das suas qualidades. Mas o tema desta crónica são os desafios que enfrentará agora o seu sucessor, João Leão, aquele que Álvaro Santos Pereira designou como “o grande executor da política de consolidação orçamental dos últimos anos”. O primeiro deles, obviamente, o de lidar com um cenário recessivo num contexto em que as Finanças foram politicamente menorizadas face à pasta da Economia.

Com efeito, António Costa imitou Pedro Passos Coelho ao optar por uma solução interna colocando João Leão no lugar de Mário Centeno, tal como Maria Luís Albuquerque sucedeu a Vítor Gaspar. Mas a grande diferença é que, no governo PSD/CDS, o ministro das Finanças estava ao leme das decisões tomadas e as suas guidelines norteavam as decisões políticas do executivo, enquanto agora é o ministério da Economia que detém maior poder no Governo socialista.

Apesar de João Duque ter classificado João Leão como “uma incógnita”, o até aqui número três da equipa do Ministério das Finanças não é nenhum desconhecido, embora outro desafio que tenha pela frente seja ganhar a experiência política indispensável para os Conselhos de Ministros que aí vêm e se antecipam de elevada intensidade. A forma exata da distribuição das verbas europeias, da tão propalada “bazuca”, será o tema das discussões e das pressões internas ao nível do Governo e o novo ministro das Finanças o seu alvo preferencial.

Ao declarar que as suas prioridades imediatas passam por manter os rendimentos das famílias portuguesas em plena crise e o garantir das contas certas, João Leão parece ter a bússola apontada para os azimutes corretos. Resta saber se terá os meios e será capaz de prosseguir o atribulado caminho que se prevê, por entre precipícios e falésias. Uma coisa é certa: não se pode ser ao mesmo tempo um “artífice das cativações”, como apelidou Centeno o seu sucessor, e um defensor do bem-estar das famílias. Cedo veremos, portanto, para que lado penderá a realidade das ações, mais do que as bem-intencionadas palavras.

 

Não podemos ter dois países: um de pessoas que se aglomeram e manifestam nas ruas, sem cumprir as regras da segurança nem pensar nas consequências, e outro composto pelos cidadãos que respeitam a ordem pública e as regras mas nem casar-se ou ter acesso a uma cirurgia conseguem. Os contraditórios maus exemplos que o Estado vai autorizando levam a um progressivo sentimento de desresponsabilização. Esta disparidade de critérios e de comportamentos tem de acabar.