1.Na última década o sistema bancário foi sujeito a quatro grandes choques, alguns em simultâneo: o choque da recessão económica, profundo e prolongado, sem precedentes; a revolução regulatória despoletada em resultado da crise subprime; o choque da crise reputacional da banca, em Portugal ampliado pelos contornos dos casos BPN e BES; e a revolução digital, tecnológica e comportamental.

Dez anos depois, a atividade bancária encontra-se agora num virar de página:
– a conjuntura e o ciclo económico são favoráveis, o que se reflete na atividade bancária;
– o nível de incerteza regulatório ainda existe, mas finalmente, começa a admitir-se que poderá ter havido excesso de regulação, com calibragem, flexibilidade e períodos de transição insuficientes. A regulação precisa de uma pausa, os agentes de mercado têm de absorver o novo enquadramento e têm de se concentrar no seu “negócio”. Para isso é necessária estabilidade legislativa e uma maior ponderação quanto à complexidade de regras e reportes.
– a questão reputacional está ainda em fase de recuperação, há trabalho a desenvolver e dele devem resultar evidências;
– a era digital está e vai continuar a influenciar decisivamente o modo de fazer banca.

2.O esforço e trabalho realizado pelos bancos ao longo destes anos tão duros e exigentes devem ser relevados. A banca está hoje melhor. Os progressos registados são bem visíveis.
Entretanto, prossegue o profundo trabalho de recuperação, restruturações e modernizações intensas.
Alterações significativas ocorreram e estão a acontecer nos modelos de negócios, que procuram atender às tendências e comportamentos dos clientes, à evolução demográfica, aos desenvolvimentos tecnológicos, com relevo para os relacionados com a banca digital, que induz uma nova cadeia de valor da maior importância.

3.O mundo digital está a mudar o modo como vivemos. Mas o que é o mundo digital? Creio que se pode dizer que é, em primeiro lugar, o resultado da justaposição de interesses, necessidades e conveniências dos cidadãos, com o aparecimento de protagonistas de ideias de desenvolvimento de produtos e serviços que lhes dão resposta, e com os investidores interessados em lhes dar corpo. Analytics, tecnologia, processos e modelo de negócio tornam reais esses projetos.

Neste mundo digital são, assim, determinantes:
– o envolvimento do cliente;
– a capacitação dos empregados e a manutenção de talentos;
– a otimização das operações;
– a escolha e desenvolvimento da tecnologia
– a colaboração com outros atores
– vários bancos optarão por modelos de negócio assentes em plataformas bancárias que ligam fornecedores com quem colaboram

4.Hoje, é sobretudo o desenho futuro da banca influenciado pelo digital que nos traz aqui.
A aplicação de novas tecnologias ao sistema bancário sempre existiu. Ao longo de décadas os bancos terão sido das atividades que mais investimentos realizaram no desenvolvimento de soluções suportadas com tecnologia inovativa, em particular IT.
As fintechs são empresas que oferecem serviços e produtos possibilitados pelas novas tecnologias. Os bancos estão, pois, entre as fintechs, são fintechs. Devemos é distinguir entre os incumbentes (os bancos) e os novos players.
Ao contrário da ideia que parece existir, o sector entende que a competição entre bancos e não bancos pode ser saudável para o mercado e deve ser incentivada.
Por isso, mais do que um desafio, os bancos olham para as mudanças no comportamento dos consumidores e na inovação tecnológica como uma oportunidade que têm de aproveitar.
De facto, os clientes dos bancos, em particular os das gerações mais jovens e as empresas estão a tornar-se cada vez mais “digitais”. Querem aceder aos serviços a qualquer momento, em qualquer local, em múltiplos dispositivos. Querem, por exemplo, que os pagamentos sejam efetuados de modo mais simples, ágil e cómodo, mas em segurança.
Por sua vez, é do interesse dos bancos aplicar tecnologia avançada, quer na sua oferta de produtos e serviços inovadores e apelativos, quer na gestão e na operativa bancária.
Para além do impacto sobre o negócio da banca, que é um negócio para as pessoas, as tecnologias são determinantes na obtenção de ganhos de produtividade.
Os bancos não subestimam a dimensão das mudanças. Mas sentem-se eles próprios participantes proativos, verdadeiros “transformers” que ajudam a mudar para melhor o modo de vida dos cidadãos e sabem que têm um trunfo especial na relação de parceria e confiança que estabelecem com os clientes e na segurança que lhes oferecem.
Esta nova era leva a que os bancos estejam a adotar novos valores e adaptar a sua cultura aos novos tempos. Essa cultura passa pela abertura, inovação, pela agilidade na atuação e por um ambiente colaborativo intenso, interno e externo. No ambiente Interno, estimulando todos os empregados a mostrar o seu envolvimento, conhecimento e espírito empreendedor. No externo, procurando uma colaboração ativa com diversos atores, numa lógica de parcerias win-win.

5.O que é que se pode antecipar sobre a nova maneira de fazer banca?
Os grandes temas que o sector bancário enfrenta na nova era digital centram-se em três grandes áreas: concorrência, regulação e modelo de negócio.
1º) Em relação ao primeiro tema o aumento da concorrência, os incumbentes concorrerão com novos players, nomeadamente nos pagamentos e no crédito.
Esses concorrentes, que se focam em novas necessidades são as startups fintechs e as grandes empresas tecnológicas e plataformas digitais.
Mas as startups fintech, mais do que concorrentes, surgem como importantes parceiros potenciais dos bancos. A cooperação com startups traz grandes vantagens a ambas as partes.
Já as grandes empresas tecnológicas, com todo o seu potencial financeiro e tecnológico, têm capacidade para lançar plataformas financeiras a nível mundial.

2º) Em relação ao tema da regulação e supervisão, a proteção do consumidor, a segurança e a estabilidade financeira são as prioridades chave a observar.
A contribuição para um eco-sistema inovador e competitivo, requer que o mesmo enquadramento regulatório e de supervisão se aplique a todos os “players” – instituições financeiras, grandes empresas tecnológicas e startups – numa lógica de “same activities – same risks – same rules – same supervision”.
Um level playing field entre os diferentes concorrentes tem de existir para assegurar que os clientes não se expõem a risco (excessivo) e que a estabilidade financeira é mantida independentemente do fornecedor de serviços.

3º) O modelo de negócio da banca do futuro vai ter de servir clientes digitais e tradicionais e ser capaz de atrair novos talentos e requalificar o existente.
De facto, o novo modelo não implica que a sua oferta se destine apenas aos clientes digitais. Muitos clientes continuarão a preferir o contacto com as agências, a interação humana presencial e o aconselhamento. E muitos dos clientes digitais continuarão, também eles, a utilizar as duas formas de ser servidos.
A utilização de ferramentas digitais e a sua aplicação na relação com os clientes obriga inevitavelmente a olhar para dentro, no duplo sentido de mobilizar talentos, de os atrair, e de capacitar e requalificar os colaboradores dos bancos.
O investimento na formação é a melhor forma de responder aos desafios.
Esta formação começa na sensibilização de todos os empregados para o que vai ser a nova banca. E abrangerá conhecimentos novos e especialização aprofundada.
Sem dúvida que a digitalização comporta impactos económicos e sociais, por vezes muito duros. Robots, automação, algoritmos, inteligência artificial irão substituir funções de rotina.
A relação entre emprego destruído e emprego criado, antes de se encaminhar para o seu equilíbrio, como sempre aconteceu ao longo da história, é no seu início, quase sempre penalizante e causador de preocupação.
O digital pode tornar-se uma rampa para novas especializações, competências (com relevo para o IT) e novos desafios e oportunidades para os que trabalham na banca.

6.Nos últimos dez anos os bancos partiram muita pedra num trabalho de recuperação muito exigente. Estão agora a esculpir um novo modelo que preservando o essencial da missão, é adaptado aos novos tempos.
Os bancos portugueses continuarão a trabalhar duramente para, impulsionados pelo clima de mudança e inovação que os clientes pretendem, justificarem a sua capital e decisiva relevância para a sociedade assim contribuindo para a prosperidade do país.

Fontes:
– Olivier Guersent, speech at the Swiss Finance Council
– Ana Botín, speech at the 10th Santander International Banking Conference
– EBF Position on FINTECHs
– Richard Peers, speech at European Banking Summit
– Guilherme Martins Victorino, Design Thinking: (Co)Desenhar o Futuro da Banca, Inforbanca nº 111