A Web Summit interroga-nos sobre os novos desafios gerados pela digitalização e pela inovação da economia, justificando-se nesta série de artigos sobre o admirável mundo novo da tributação internacional abordar um tópico que está na agenda da maioria dos governos e das empresas – a digitalização e a tributação internacional.

Nos últimos anos, temos assistido a uma revolução digital que está a alterar o paradigma da economia tradicional e a forma como as empresas fazem e entendem os negócios. Este fenómeno de transformação não se foca, hoje, exclusivamente nas “empresas de tecnologia”, mas atinge a economia como um todo.

O problema gerado pela relação entre a digitalização da economia e a fiscalidade é que os conceitos tributários tradicionais não estão ainda adaptados à nova forma de fazer negócios, em que as empresas assumem uma escala global por vezes sem qualquer presença física local, em que os seus ativos são compostos primordialmente por intangíveis, e em que a participação do utilizador no processo produtivo é essencial para a chamada “criação de valor”.

Com os exemplos dos gigantes tecnológicos como a Uber ou o Airbnb, podemos entender que este tipo de empresas estão presentes em todo o mundo sem muita (ou nenhuma) presença física. Os seus principais ativos são software ou apps desenvolvidas, a sua marca e os seus trabalhadores (são notoriamente asset light companies) e a sua “força de trabalho” inclui os próprios clientes e utilizadores, que, nesta nova economia partilhada, têm um papel fundamental no modelo de negócio das empresas.

As características inerentes à economia digital levam-nos ao principal problema fiscal gerado pela transformação digital das empresas, i.e. onde ocorre a criação de valor e em que momento deve ser tributada.

Este problema assume maior complexidade quando países com diferentes estratégias económicas e tributárias determinam unilateralmente os critérios para definir onde este valor económico se deve considerar criado, e a forma como estes modelos de negócios devem ser tributados. É o que acontece já com a Índia, que adotou um “imposto de equalização”, ou com a Itália, ao aprovar um “imposto sobre transações digitais”. E também se anuncia no Reino Unido, com um novo Imposto sobre Serviços Digitais, a entrar em vigor até abril de 2020.

Nesta fase não existe consenso sobre a implementação a nível global deste tipo de tributação, o que constitui um fator preocupante para todas as partes interessadas.

Do lado da União Europeia, a estratégia foi propor, em 2018, uma dupla abordagem com (i) uma solução de longo prazo e (ii) uma solução de curto prazo:

  • A longo prazo, a ideia seria a adoção de uma Diretiva que estabelecesse regras para uma presença digital significativa, tendo por base um conceito de “Estabelecimento Estável Digital”, indiciado por diversos critérios tais como as receitas digitais, o número de utilizadores ou os contratos de serviços digitais;
  • No curto prazo, é considerada a criação de um imposto sobre os serviços digitais que incidiria apenas sobre as grandes empresas digitais, sobre o seu volume de negócios (e não sobre o rendimento), a uma taxa reduzida de 3%.

Não obstante, recentemente, o conselho ECOFIN demonstrou que nem mesmo ao nível da UE se regista consenso entre os países de maior e menor dimensão, o que coloca em risco as referidas propostas. E a mesma falta de consenso parece registar-se no quadro da OCDE, tanto no que diz respeito à forma de lidar com o tema, como quanto à própria necessidade de medidas fiscais adicionais para atacar os referidos temas. Espera-se um relatório final desta organização sobre soluções globais para lidar com o tema da digitalização da economia, que está programado apenas para 2020 (e que é muito aguardado pela indústria de tecnologia dos EUA).

Em suma, também no domínio da fiscalidade não existem modelos perpétuos, exigindo-se a sua permanente adaptação à evolução da economia e dos negócios. A revolução digital é um potente agente de mudança da forma como a fiscalidade, direta e indireta, deteta e determina a capacidade contributiva das pessoas e das empresas e previne as práticas evasivas. O impacto destas transformações na fiscalidade como a conhecemos hoje será extenso e relevante, impondo também às empresas e aos investidores um esforço de antecipação e de preparação para a nova realidade.

 

Ao longo de dez artigos, o departamento fiscal da Garrigues aborda os principais desafios relacionados com o novo contexto da fiscalidade internacional. Trata-se de uma oportunidade para os leitores compreenderem melhor o contexto de uma fiscalidade cada vez mais transparente, mas também mais complexa e com custos de cumprimento elevados. Próximo Artigo – Preços de Transferência e Criação de Valor.