Muitos dos cidadãos das democracias ocidentais que, como eu, aceitam que o progresso passa por um mundo globalizado, tendem a adotar um certo otimismo assente na ideia de irreversibilidade do desenvolvimento económico, social e político e do avanço científico e tecnológico.

Porque não conhecemos nas nossas vidas outra realidade que não a estabilidade, a liberdade e a paz, tomamos como garantido que as economias irão sempre crescer e que iremos sempre progredir nas nossas carreiras; que viajaremos pelo mundo e conheceremos culturas diferentes; que os nossos filhos terão a possibilidade de estudar e trabalhar noutro país; que teremos sempre a liberdade e o poder de dizer o que pensamos; que o Estado será sempre laico e que a democracia é irreversível; que tudo o que pensamos é evidente para toda a gente à nossa volta e de que somos uma maioria.

Os recentes acontecimentos ligados ao populismo, ao racismo, à xenofobia, ao terrorismo e ao fundamentalismo religioso têm vindo a provar que este otimismo é profundamente ingénuo. Não existe qualquer sustentação histórica na ideia de progresso linear. As sociedades passadas viveram períodos de desenvolvimento, causados por novas formas de pensar e por avanços científicos e tecnológicos, e períodos de decadência causados por convulsões sociais, tiranias, guerras, recessões, epidemias, etc.

Uma proposta para compreender o período conturbado que estamos a atravessar passa por focarmos a nossa atenção naquelas pessoas e entidades que não têm beneficiado, ou têm mesmo perdido, com a afirmação da economia de mercado neoliberal, com a globalização e o progresso da ciência e da tecnologia.

Nas últimas décadas, o poder político e os estados-nação cederam poder e liberdade para os indivíduos, para as grandes empresas, para o capital financeiro e para as organizações supranacionais. Em contraste, hoje, um pouco por todo o mundo, estamos a assistir ao ressurgir de forças políticas conservadoras, populistas e protecionistas que visam reforçar e concentrar o poder político e reafirmar os estados-nação.

As religiões, os cultos, a espiritualidade em geral, cederam durante muitos anos o seu lugar central na regulação da emoção humana para a ciência. Em contraste, hoje assistimos a um ressurgir da espiritualidade pelo mundo, em manifestações mais moderadas (com movimentos como o mindfulness) ou mais radicais.

A classe média ocidental perdeu poder de compra pela desvalorização do fator trabalho em resultado do avanço tecnológico e da deslocalização das grandes indústrias. Em contraste com o passado, hoje, as classes médias começam a deslocar os seus votos das forças políticas moderadas para as forças políticas conservadoras, populistas e protecionistas.

Estes “esquecidos” da globalização, como muitos outros, estão hoje legítima ou ilegitimamente a “contra-atacar”, reclamando parte do poder e influência que perderam na sociedade. Não sendo conservador e sendo pro-globalização, considero que devemos estar atentos aos sinais e dar alguns passos para trás de forma controlada, para podermos progredir com estabilidade. Em particular, temos de aceitar que a economia de mercado globalizada não é sustentável do ponto de vista social se não existir equidade na distribuição riqueza.

Temos de devolver parte do poder cedido aos indivíduos e às grandes empresas com a revolução tecnológica e a internacionalização da economia aos órgãos políticos nacionais e supranacionais democraticamente eleitos. Temos de reconhecer que o ser humano não é uma máquina e voltar a aceitar o papel da emoção humana e da espiritualidade na harmonia social. Em especial, temos de deixar de ser ingénuos e admitir que nem todos pensam como nós e que já não somos uma maioria.