Marine Le Pen nunca devia ter sido convidada para a Web Summit e enquadrar esta questão na causa da liberdade de expressão é tão absurdo como ver a direita portuguesa protestar contra a falta de tolerância da esquerda para com a direita e alegar que se se tratasse de um líder de extrema-esquerda este veto não se colocava.
É igualmente inaceitável ouvir João Vasconcelos – que lamento a saída do Governo porque sabe de startups como poucos – dizer que a eventual intervenção do Governo nos oradores da Web Summit é inaceitável, porque o país subsidia este evento por causa do seu impacto económico e deve abster-se de interferir nos seus conteúdos.
Tal como dizer que desconvidar Marine Le Pen é tentar silenciar uma corrente de pensamento que tem eco numa fatia cada vez mais relevante de franceses e europeus é daqueles chavões que faz de quem os diz uma espécie de adolescentes revoltados, cuja rebeldia tende a passar com a idade (esperamos nós).
Foi resumidamente assim que foi tratada a possibilidade de darmos palco a Marine Le Pen. Como sempre acontece quando elevamos a estupidez ao estatuto de causas nacionais e políticas, gera-se uma sensação de perplexidade. Depois há Paddy Cosgrove, que cegamente celebramos como genial.
A Web Summit dispensa golpes publicitários deste género pelo simples facto que a comunidade de startups e techies se leva a sério, e ao seu trabalho, o suficiente para estar na Web Summit pelas razões certas e não para fazer parte de um evento que, por momentos, se quis transformar num Parlamento Europeu.
Paddy Cosgrove esteve mal. Portanto a única coisa que gostaria de ter ouvido depois do assomo de jovem revoltado de Cosgrove, que gosta de chocar com o argumento da liberdade de expressão, da esquerda à direita, era: Sra. Le Pen, não a queremos cá. Ou, idealmente, que tudo isto se tivesse resolvido com igual desfecho e de forma discreta nos bastidores.
Em 2018, na Europa, a liberdade de expressão é independente – e bem – do controlo político. Um dia os Estados controlaram a palavra, hoje, em plena era digital, disponível para quem a quiser utilizar, a palavra dos Estados tem um impacto muito reduzido na informação que passa. Novamente, ainda bem.
Uma nota final: as migrações, a religião, o terrorismo, qualquer que seja a roupagem que tem servido para partidos como o da Sra. Le Pen se afirmarem, são temas que os partidos moderados têm de chamar a si – no caso de Portugal, PS, PSD e CDS – pois têm estatuto de causas da democracia e são um problema real que quanto menos for discutido e tratado em público, mais a palavra de Le Pen e afins terá eco dentro de cada lar. Basta ligar a televisão. Basta ter Youtube.