Está lançada a campanha para bloquear os avanços da tecnologia 5G chinesa no ocidente. São exemplo disso as pressões norte-americanas sobre a Polónia, Reino Unido e Alemanha, entre outros países, para abandonarem os seus compromissos com companhias chinesas, nomeadamente a Huawei. Essa campanha tem sido acompanhada por acusações de práticas de spyware, uso de hackers e backdoors através das quais o governo chinês efetua espionagem, uma ameaça à segurança dos países que utilizem tecnologia chinesa.

Apesar destas desconfianças legítimas, ainda não consubstanciadas em evidências, é importante perceber se estamos perante uma ameaça à segurança, ou algo diferente. Apesar das pressões e desvalorizando os riscos com a segurança, as autoridades do Reino Unido já sinalizaram que não irão acatar o boicote de Washington às companhias chinesas, afirmando não ter sentido a interdição. Os custos associados ao atraso na instalação do 5G seriam incomportáveis. A posição britânica irá seguramente influenciar a de outros países como a França e a Alemanha, muito céticos relativamente aos argumentos norte-americanos.

O motivo da encarniçada luta pela primazia no 5G é apenas de natureza comercial e tecnológica, ou a sua importância vai muito para além disso? Para respondermos a esta questão, temos de ter em consideração que a tecnologia 5G serve de base ao funcionamento das novas tecnologias, que são altamente exigentes na utilização de dados. Referimo-nos às comunicações móveis de quinta geração, inteligência artificial, quantum computing, robotização, biotecnologia, veículos sem condutor, aparelhos médicos de alta performance, a designada “internet das coisas” e as indústrias de defesa.

Todos estes domínios tecnológicos encontram-se plasmados na estratégia “Made in China 2025”, a qual prevê que a economia chinesa deve deixar de ser um fabricante de produtos de mão de obra intensiva, para passar a produzir produtos de alto valor acrescentado, com elevada incorporação de tecnologia de ponta. O objetivo é ultrapassar tecnologicamente os EUA nas indústrias que vão definir os termos do futuro paradigma industrial, e transformar a China numa economia autossustentável.

Em reação a este plano, Peter Navarro, o influente conselheiro económico de Donald Trump, referiu que “se a China capturar estas indústrias, os EUA não terão futuro económico”, com a agravante de vir a representar uma ameaça à superioridade militar norte-americana. Por outras palavras, e adaptando os postulados de Mackinder ao tema em causa, quem dominar a tecnologia 5G dominará as tecnologias que definirão o futuro paradigma tecnológico e industrial, e dominará o mundo.

As quezílias ao redor das tecnologias 5G são aspetos da luta pela superioridade tecnológica, na qual se fundamenta o poder das grandes potências. É exatamente isso que está em causa na competição pelo 5G, e não outra coisa. Essa competição pode assumir aspetos comerciais, mas ela é fundamentalmente de natureza estratégica, com um racional de poder e hegemonia por detrás. Percebe-se que por questões de narrativa se utilize o argumento da segurança para ganhar adeptos para a causa, mas esse não parece ser o argumento principal para vetar as empresas de telecomunicações chinesas.

Se Washington quer preservar a sua hegemonia tem de encontrar as medidas para responder ao desafio tecnológico da China, de modo a poder vencer o seu opositor no domínio económico e manter a superioridade militar. A previsão de que 40% das patentes 5G serão chinesas deve ser motivo de elevada preocupação.

As recentes iniciativas norte-americanas devem ser interpretadas à luz da “Armadilha de Tucídides”, um conceito que se tornou popular: impedir a emergência de um competidor antes de este se encontrar em condições de nos desafiar. A manter-se o ritmo de crescimento da China, seria tarde fazê-lo daqui a dez anos. Cientes da ameaça que a China representa para a sua supremacia, esperemos que os EUA não tenham a tentação de a contrariar recorrendo ao uso da força.