Os EUA viram sempre com desconfiança as iniciativas europeias de cooperação em matéria de segurança e defesa. Embora defendessem oficialmente uma parceria entre iguais, desejando ver a Europa como um parceiro com quem pudessem partilhar as responsabilidades e os custos da liderança global, a prática tem sido bastante ambígua.

Os EUA recearam sempre que a Europa se pudesse autonomizar estrategicamente e transformar num centro de poder rival à escala global, que desafiasse geopoliticamente os EUA. Importantes segmentos da elite política americana consideram o desenvolvimento e reforço da Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD) uma ameaça geopolítica aos interesses dos EUA. Uma Europa unida representaria uma ameaça aos seus desígnios de hegemonia global.

Os EUA empenharam-se sempre para que isso não acontecesse, monitorizando, comentando e interferindo nos desenvolvimentos da PCSD. Para isso contaram com o Reino Unido (RU), que de dentro do sistema controlava os ímpetos, garantindo que os progressos em matéria de segurança  e defesa europeia fossem pouco afoitos, e se mantivessem dentro dos limites considerados aceitáveis, sem pisarem linhas vermelhas. A saída do RU da UE veio complicar a vida dos EUA.

Tivemos recentemente um exemplo disso. No rescaldo do Brexit e uma vez afastado o spoiler, a UE abraçou iniciativas com vista ao aprofundamento da cooperação no domínio da segurança e defesa. Duas delas mereceram uma atenção especial dos EUA: o Fundo Europeu de Defesa (FED) e a Cooperação Estruturada Permanente (PESCO).

A adoção tanto do FED como da PESCO não foram do agrado dos EUA. A manifestação desse desagrado foi feita de um modo veemente. No início de maio deste ano, altos dignitários dos ministérios da defesa e dos negócios estrangeiros dos EUA escreveram uma carta à Alta Representante Federica Mogherini manifestando o seu descontentamento com estas duas iniciativas, muito particularmente com o facto de não terem sido abertas à participação de países não-membros da União, excluindo assim a participação dos EUA.

Nessa carta, os EUA acusam o FED e a PESCO de não refletirem os princípios  acordados nas declarações conjuntas da OTAN-UE de 2016 e 2018. À superfície, a cooperação OTAN-UE vai de vento em popa. Alargou-se em vários domínios envolvendo mais participantes. No dia-a-dia não é bem assim. As relações continuam tensas e competitivas.

Os EUA acusam ainda o FED e a PESCO de representarem uma inversão no incremento da integração do setor da defesa transatlântico realizado nas últimas três décadas, culpando os Estados-membros da UE de impedirem a Agência Europeia de Defesa de negociar com os EUA o estabelecimento de arranjos cooperativos. Exigem também a remoção da linguagem, que, segundo eles, impede as indústrias de defesa da UE e dos EUA de fazerem parcerias e de alavancarem recursos financeiros.

Apesar de todas as contradições e da morte anunciada, solavancos e  sobressaltos por que está a passar o projeto europeu – seja isso o que for – ainda é percebido com receio pela grande potência. Ficamos atentos em saber qual será a reação da UE a estas exigências. Qualquer que seja a resposta, ela não poderá ser neutral dado o impacto económico e político destas decisões, não só no desenvolvimento de uma base industrial de defesa europeia como na aposta num projeto estrategicamente autónomo. Serão seguramente muito esclarecedoras sobre o caminho que a União irá trilhar.