No recentemente publicado “Populismo, a Revolta Contra a Democracia Liberal” de Roger Eatwell e Matthew Goodwin, lê-se “a era clássica da democracia liberal caracterizou-se por políticas relativamente estáveis, sólidos partidos de correntes predominantes e eleitores fiéis: agora assistimos ao fim desse paradigma. Muitas pessoas já não estão fortemente alinhadas com as correntes predominantes. […] Este desalinhamento está a tornar os sistemas políticos ocidentais muito mais voláteis, fragmentados e imprevisíveis do que em qualquer outro momento da história da democracia de massas”.

Esta passagem reflete bem o espírito político desta era e seria importante focarmo-nos nesse desalinhamento e compreender a razão porque desencadeou tão grande revolta, a ponto de quebrar a estabilidade política das sociedades ocidentais. Habituámo-nos a considerar o fenómeno do populismo como o resultado exacerbado dos choques causados pela eleição de Trump e pelo referendo do Brexit, quando as divisões culturais e económicas que precipitaram essas divisões há muito fermentavam na sociedade.

Outro mito que importa desmistificar é a ideia de que o nacional-populismo está crescentemente associado ao fascismo. Embora haja efetivamente uma minoria a comungar do ideário fascista, a maioria dos eleitores que adere ao populismo afasta-se dos extremos e privilegia uma identidade nacional em detrimento de uma transnacional.

Não poucas vezes são retratados como “velhos homens brancos furiosos” incapazes de lidar com uma globalização rápida, que depende de corporações e organizações internacionais, causando mudanças étnicas que tornam mais difusa a identidade nacional. Todavia, embora essa faixa exista de facto, uma análise de várias eleições europeias e americanas prova que o voto populista abarca também millennials e minorias étnicas. Esta resposta indica que não podemos de todo ilibar as democracias liberais de graves culpas.

E, por fim, o mito mais reconfortante de todos: a ideia de que o populismo-nacionalismo é um fenómeno transitório e que os seus eleitores regressarão aos partidos tradicionais dominantes pode parecer apelativa, mas está na hora de um reality-check. Temos de aceitar que o populismo veio para ficar e que estamos no início de um longo período de grandes mudanças.

À medida que os regimes políticos ocidentais se afastam do centro e cresce a polarização entre nacionalistas e globalistas, nenhum país escapa incólume, e países que no passado tiveram governos militaristas ou autoritários acabam por estar mais suscetíveis à influência populista. Mesmo Portugal não se esquivou na última eleição legislativa à onda populista-nacionalista que integrou um discurso não só de rejeição do sistema, como incorporou o discurso xenófobo e racista.

Como resolver a grande questão política do nosso tempo, entre progressistas e populistas-nacionalistas, no meio das suas infinitas contradições e complexidades? Como encontrar um equilíbrio entre eleitorados que apresentam vontades opostas? Quaisquer que sejam as soluções encontradas, estas devem começar por pôr fim à demonização do populismo-nacionalismo e ir à raiz das suas reivindicações.