Apesar da União Europeia ter tido a sua origem numa lógica comercial, as suas aspirações mais profundas eram ambiciosas – criar uma paz duradoura na Europa. Essa ideia, saída do trauma de duas guerras consecutivas entre os povos europeus, teve o seu desenlace naquilo que hoje conhecemos, uma União Europeia que tem evoluído através de um processo de integração progressiva. Não só tem cada vez mais países, como até foi capaz de formar uma zona monetária comum, com a criação do euro.

Os sucessivos tratados que consagram uma cada vez maior interconectividade e dependência entre os países membros incluem aspectos que vão desde o mercado único até políticas sociais, educativas e migratórias. Ao fim de várias décadas de existência, muitos tenderão a achar que a UE é uma ideia bem-sucedida – conseguiu “vencer” o comunismo, integrando os países do bloco de leste, conseguiu conter guerras na Europa (salvo a da transição jugoslava) e conseguiu superar a grave crise financeira do sub-prime (convertida na crise das dívidas soberanas).

Se a União Europeia não se desfez até agora, será previsível desfazer-se num futuro próximo?

O facto é que parece estarmos a atingir um ponto crítico para responder a essa pergunta. Por um lado, essencialmente para os países do Euro, a UE não tem sido capaz de efectuar processos de convergência, estando a deixar a periferia cada vez mais frágil (com precariedade, emigrações e falta de poder). Por outro, a vitória do Breixt constituiu o primeiro verdeiro processo de marcha-atrás nesta construção que parecia imparável.

Finalmente, dada a enorme complexidade de se gerir um projecto de governação comum de dezenas de nações, começam a ser cada vez mais salientes as divergências dos interesses entre as nações, gerando-se forças centrífugas de difícil travagem.

A reboque do problema das migrações económicas e dos refugiados, e pelas assimetrias económicas existentes, muitos países começam a acreditar que a solução dos seus problemas passa pelo fechamento de fronteiras e pela retoma do poder e autonomia nacionais.

E é aqui que a questão de fundo se levanta: quem acredita que é possível construir uma união de nações, com dezenas de línguas diferentes, dezenas de histórias próprias, dezenas de culturas nacionais centenárias, tantas vezes conflituantes?

Muitos dos problemas que a UE hoje enfrenta só serão solucionáveis com mais integração, nomeadamente a construção de orçamentos europeus muito mais avultados, e transferências muito mais significativas dos Estados ricos para os mais pobres, e a criação de um exército europeu com chefia centralizada em Bruxelas. Na prática, isso será a federalização europeia.

Mas quem acredita nisso? Quem acredita que monarquias podem conviver numa federação com repúblicas – o rei de Espanha, que nem da Catalunha aceita abrir mão, alguma vez aceitaria um chefe de Estado europeu a quem teria que se sujeitar hierarquicamente? Quem diz rei de Espanha diz rei da Suécia ou da Holanda. E também não estou a ver o Presidente da França ou a Chancelaria alemã a quererem perder o seu estatuto.

Enfim, a Europa não é, nem nunca será, o mundo novo que a América foi. Nunca poderão existir os Estados Unidos da Europa.

Sendo assim, a União Europeia tem que se construir a partir dessa premissa: de que os europeus podem dar-se bem uns com os outros, podem definir algumas regras comuns, mas nunca abrirão mão da sua história, da sua língua, do seu território, da sua democracia, do seu exército, enfim, da sua nação.

Nesse sentido, talvez a União Europeia já tenha progredido demais na sua integração e seja este o tempo de começar a fazer uma marcha-atrás organizada (começando pelo regresso das políticas monetárias nacionais).

Não ver isto pode ter consequências trágicas na medida em que, em vez de uma reconfiguração organizada, se poderá assistir a uma desconstrução violenta.

Em nome da paz, prosperidade e convergência na Europa, é tempo de apostar na democracia, na transparência e na cooperação (na inovação, na economia, na educação, no combate à pobreza, à corrupção e ao crime organizado), transformando a actual disfuncional, corrompida e pouco democrática União Europeia, num verdadeiro espaço de democracia e solidariedade, sempre com respeito absoluto pelas invioláveis identidades nacionais.