A crise recente tornou evidente a intensificação das desigualdades de rendimento entre a população, fazendo saltar para a arena pública a discussão sobre uma eventual necessidade de aumentar impostos para corrigi-lo.

Com um sistema fiscal que incide fortemente sobre os rendimentos do trabalho dependente – no Orçamento do Estado para 2021, do lado da receita prevista, o IRS representa cerca de 70% dos impostos diretos e 31% dos impostos totais – as soluções propostas apontaram para aumentar a contribuição dos que auferem maiores rendimentos laborais. O perigo de tais medidas fiscais é poderem ter o efeito de sangrias, debilitando à força da terapia uma economia já de si enferma.

A austeridade da última década teve oportunidade de demonstrar o efeito disruptivo sobre a atividade económica de ampliar impostos em fases recessivas. O risco de acentuar a crise e reduzir a base contributiva não deve ser negligenciado. É para impedi-lo que legalmente os impostos se definem por forma a diminuir mecanicamente com a redução da base tributária, satisfazendo o objetivo de prosseguir uma política económica contracíclica. Por esse motivo, este tipo de instrumento da política orçamental e fiscal recebe a designação de estabilizador automático.

É assim mais razoável trabalhar na recuperação desenhando políticas que gerem crescimento económico através do aumento da despesa pública e que podem ser feitas a dois níveis: através de apoios sociais compensatórios aos mais atingidos pela crise; e, via investimento público direcionado para estimular o investimento privado e consequentemente aumentar o emprego.

Acresce que, segundo a Autoridade Tributária e Aduaneira, em 2018 apenas 52% do total de agregados familiares pagou IRS, apresentando rendimentos médios anuais que os definiam como classe média. Em 2019, num relatório intitulado Under Pressure: The Squeezed Middle Class que analisava questões de desigualdade, a OCDE destacava o declínio e estagnação do rendimento a que foi sujeita esta faixa da população.

A classe média e sua influência económica encolheram após o período de baby-boom, afetando o consumo, o investimento em educação, em saúde e habitação, bem como os sistemas de proteção social. Qualquer política que vise a recuperação económica deverá, naturalmente, orientar-se para a ampliação desta classe e não para a sua compressão através de novos impostos.

Uma outra frente em que é preciso trabalhar para se aumentar a coleta é sobre o nível de evasão fiscal, que será tão mais elevado quanto maior for o peso da economia informal (em 2018 a OIT estimava que cerca de 12% do emprego português estivesse ligado a este sector). Do ponto de vista da equidade e da justiça social, é preferível e mais correto obrigar a que todos participem nas receitas públicas do que dilatar a comparticipação dos que já contribuem de forma significativa.

A evasão fiscal, que se acentuou com a liberalização dos movimentos de capitais, é apanágio das economias mais desenvolvidas através da prática de privilégios fiscais com o objetivo de atrair capitais estrangeiros. Na Europa estes casos proliferam, da austera Holanda à bem-sucedida Irlanda, cujo Produto Interno Bruto como resultado é cerca de 20% superior ao Produto Nacional Bruto, e onde, Portugal também participa, atraindo reformas de cidadãos suecos. Ironicamente, serão as novas remessas de migrantes que equilibram a balança corrente portuguesa.

Estas situações, todas devidamente legitimadas, indiciam a urgência de cooperar a nível internacional no sentido de harmonizar as regras fiscais, pelo menos em espaços de livre circulação de capitais como a União Europeia. Em paralelo, o desenvolvimento do trabalho remoto, ao permitir o desfasamento entre a residência fiscal do empregador e do empregado à escala global, introduz um ruído que tenderá a agravar as discrepâncias entre países e a sublinhar a premência da cooperação internacional nestas matérias.

Por último, fontes plausíveis de receita fiscal continuam timidamente exploradas, como os rendimentos do capital, particularmente daqueles que beneficiaram da crise, as empresas ligadas ao digital, ou impostos sobre o consumo de bens supérfluos. A primeira opção não será mais uma vez possível sem soluções concertadas entre Estados que permitam cercear as fugas fiscais. A segunda, permite contornar o problema do sector informal, ao incidir sobre o rendimento revelado pelas famílias pelo seu padrão de consumo, mas exige prudência e uma compreensão amadurecida daquilo que é supérfluo, sob pena de uma vez mais taxar duplamente as classes médias.

Recuperar da crise requer intervenções de política orçamental e fiscal, que podem passar por repensar e eventualmente reformar os sistemas tributários vigentes, mas que serão em vão se não existir uma organização internacional capaz de regular a concorrência fiscal entre fronteiras tributárias cada vez mais esbatidas. Em todo o caso, qualquer novo sistema que se queira sustentável terá que ser capaz de suportar o aumento da despesa pública sem pôr em causa o rendimento das classes médias, o pilar do crescimento económico.