A gestão de expectativas tem destas coisas. Aqueles que não queriam acreditar no que se estava a passar, uma espécie de “negacionistas”, e que achavam que esta pandemia era uma coisa passageira, idolatravam a recuperação económica com o efeito da letra “V”.
Os pessimistas, que consideravam estarmos quase perante o início do fim do mundo, assumiam a recuperação económica como um “L” profundo, isto é, uma longa e profunda recessão económica, com elevados impactos sociais diretos de médio prazo. Com o verão, houve alguns pessimistas mais moderados que acreditaram que já teria aparecido a letra “U”.
Mas o outono demoveu quaisquer resquícios de uso da última letra das vogais. A segunda vaga trouxe novamente um declínio ainda mais acelerado da economia. Os “negacionistas” sobre o impacto económico ganharam novo alento, trazendo as linhas para cima, indicando que afinal seria o “W” que nos traria de volta à produção, à recriação de emprego. Enfim, que o virar do ano, seria também o virar de uma página negra de mais uma crise económica.
A realidade é que o ano de 2020 se tornou num ano de profunda transformação mundial. Mais do que aquela que hoje pensamos. E mais do que formas de letras, estamos perante uma profunda seleção natural do mercado empresarial e da geopolítica internacional. Uma vez mais, as teorias de Darwin aplicar-se-ão naturalmente.
Haverá muitas empresas que ficarão no “L”, ou seja, morrerão também com este vírus. A má gestão de tesouraria e a aposta de criação de dívida elevada, que se achava “seria para pagar um dia”, tornarão evidente a mão que embala o caixão. Concluir-se-á assim que esta pandemia afetou profundamente muito do tecido empresarial, mas em particular aqueles que não tinham “trabalho de casa” feito, onde os graus de resiliência e eficiência eram inexistentes ou só tinham pensamentos leves sobre isso. Tal acontecerá também com alguns países…
As empresas e países que, ou já tinham planos estruturados de posicionamento estratégico, ou assumiram rapidamente a dura realidade que enfrentamos, em particular a necessidade imediata de reinvenção, nalgumas situações de forma muito dura económica e socialmente, serão aquelas que tornarão as suas letras em efetivos “U” ou “W”.
Este é um tempo de renascimento, da criação de uma nova ordem mundial e económica. Novos líderes certamente aparecerão, quer empresariais, quer políticos. E tal como os bebés: quando nascem choram e gritam, para soltar os seus pulmões. Também estes novos líderes surgirão para ocuparem um novo espaço deixado por aqueles que sucumbiram à barreira desta peneira de 2020. Serão líderes mais resilientes, mais persistentes e adaptados à nova era digital capaz de garantir as eficiências essenciais à competitividade.
Em vez de olharmos para o passado onde repetitivamente se questiona “porque é que isto está a acontecer?”, devemos acreditar na superação do problema, ao mesmo tempo que admitimos o imenso desafio que se tem pela frente. Interessa acima de tudo aplicar um princípio conhecido na gestão como paradoxo do Almirante Stockdale: assumir a brutalidade dos factos, criar um ou mais caminhos alternativos, definir uma cultura de disciplina e garantir uma liderança transformadora.
Não interessa a letra do alfabeto que viveremos. Interessa enfrentar o que se tem, olhar em frente e começar de novo, se necessário.