“A mudança é inevitável, mas a transformação é uma escolha consciente”, Heather Ash Amara

À medida que entrarmos em 2024, entraremos também num momento de avaliação intermédio das transformações que os anos 20 do século XXI começam a trazer-nos. A conclusão preliminar é a de que estes poderão ser de verdadeira transformação da sociedade global – de certa forma uma nova versão dos “loucos anos 20” do século passado, marcados não só por muitas e rápidas transformações na indústria e na tecnologia, como nos hábitos e padrões da sociedade.

Salvaguardadas as devidas diferenças, os primeiros anos desta década trouxeram já significativa mudança face ao mundo que conhecíamos à entrada de 2020. Desde o princípio da década que o mundo foi influenciado estruturalmente por vários fatores: uma pandemia sanitária, o regresso da guerra na Europa e uma nova cortina de ferro entre Ocidente e Leste, turbulência económica e regresso da inflação ao mundo desenvolvido, paralelamente a mudanças nos padrões de comércio e geopolíticos considerados tradicionais.

Estas tendências moldaram, e deverão continuar a moldar em 2024, o mundo como o conhecíamos, e o ritmo de transformação deverá manter-se elevado, com tudo o que isso traz de bom e de mau. A emergência climática continua viva, assim como a necessidade de os países desenvolvidos combaterem as crescentes desigualdades e agravamentos das tensões sociais, promovendo agendas que permitam criar novos pactos sociais com os cidadãos e restaurar a credibilidade das instituições e das democracias ocidentais.

Isto em paralelo com transições tecnológicas que terão implicações profundas nos benefícios para sociedade, mas que encerram em si enormes desafios e, também, riscos, que serão de uma enorme exigência para os atores institucionais e decisores de políticas públicas. O mundo vai continuar a mudar a uma velocidade vertiginosa e o próximo ano poderá ser um ano chave para definir o resto da década.

O contrarrelógio para executar medidas de contenção na emergência climática será exigente em 2024

É hoje claro, para a sociedade global das nações, que é preciso agir de forma imediata para inverter os efeitos potencialmente catastróficos das alterações climáticas. Este esforço depende essencialmente de duas frentes: i) desenvolvimento da tecnologia necessária para reduzir a pegada de carbono e substituir as atuais fontes de energia por energia limpa; e ii) coordenação da vontade política das instituições e países para que o esforço de implementação seja forte o suficiente para ter impacte real até ao final da década.

Os avanços tecnológicos representam sempre desafios, na medida das incertezas associadas ao seu desenvolvimento e maturação, mas o principal desafio crítico a ultrapassar em 2024, será fazer com que as nações implementem as medidas necessárias, e a um ritmo exigente o suficiente para cumprir as metas estabelecidas de descarbonização. Nem todos os países terão a capacidade ou vontade de impor uma agenda que não é consensual, e que exigirá alguns sacrifícios imediatos em alguns países, arriscando tornar-se impopulares.

Os conflitos e a democracia novamente à prova

O cenário geopolítico mudou no mundo e, na Europa, regressaram os conflitos militares no leste europeu, que prometem redesenhar a União Europeia e também a forma como o mundo se relaciona entre si, em termos geopolíticos. Esta nova espécie de “cortina de ferro” já moldou a forma como o mundo ocidental via a cooperação entre nações e blocos, e também o modo como era percecionado o investimento em segurança militar – a NATO, por exemplo, que de instituição obsoleta e sem propósito visível, voltou a ser considerada crucial para a defesa do modo de vida e da democracia ocidental.

O ano de 2024 será crucial para perceber se o conflito se vai tornar um problema militar europeu – com manutenção prolongada e indeterminada, tal como está, de um cenário de guerra no terreno – ou se algum cessar-fogo surgirá, com o conflito militar a passar para a esfera diplomática, em conjunto com protocolos de cooperação que possam estabilizar, de alguma forma, a região e a Europa.

Ao mesmo tempo, teremos um conjunto de eleições relevantes pelo mundo, onde a eventual mudança de atores e de equilíbrios de poder se traduzirão em alterações estruturais a nível global. Nos Estados Unidos teremos eleições presidenciais, na Europa eleições para o Parlamento Europeu, mas existem outros países (Índia, por exemplo) que podem trazer alterações com implicações que transcendem as suas fronteiras.

O que é comum em muitos destes momentos eleitorais é a crescente polarização política – entre soluções mais progressistas versus conservadoras – sendo provável que a vitória encoraje os vencedores, de qualquer um dos lados, a acreditar que têm a missão de promover mais mudanças sociais e, consequentemente, isso terá um impacte significativo relativamente à forma como podem, a partir de 2024, encarar os grandes compromissos desta década, sobretudo os que exijam cooperação internacional, como a questão ambiental e a implementação de medidas para o carbono zero.

Economia irá percorrer um caminho de redenção, mas de baixo crescimento

As expectativas não serão animadoras para 2024, e o nível das taxas de juro combinado com uma série de obstáculos relativamente a um impulso positivo na atividade económica não ajudam. Existe o facto positivo e redentor do esperado fim de ciclo de subida de taxas nas principais economias desenvolvidas, mas que ainda levará o seu tempo até que possa ser percecionada uma recuperação, dificilmente antes do segundo semestre do ano.

Este é um enquadramento que tem capacidade para amplificar os riscos geopolíticos e agravar as tensões sociais existentes, sobretudo pela Europa. É bom recordar que tempos mais complexos da economia são compatíveis com maior exigência orçamental, menos empregos que resultam num aumento da agitação civil. Além de também retirar incentivos aos esforços nacionais e internacionais para atingir amplos compromissos, como as metas líquidas de carbono zero, alimentando a possibilidade de maior protecionismo e de risco de conflitos geopolíticos relacionados com recursos naturais.

Agravamento da desigualdade e rigidez da mobilidade social carecem de resposta política

A última década trouxe inúmeros desafios à as economias desenvolvidas, onde os fundamentos basilares da economia contemporânea têm vindo progressivamente a colidir com a estagnação social e económica que os indivíduos e as famílias têm vindo a sentir nas últimas décadas.

A globalização, os valores ligados às próprias democracias, têm sido postos em causa, à medida que ocasionalmente o mundo, e a Europa em particular,  enfrentam situações de crise, que também agravaram as desigualdades e, consequentemente, as tensões sociais e o descontentamento popular. Em 2023, o descontentamento popular tornou-se mais agressivo e visível, e existem muitas ramificações e feridas a nível social que carecem de uma resposta assertiva e política, que permita reconstruir a confiança nas Instituições e no futuro – um novo contrato social.

As exigências dos próximos anos, relativamente ao impacto que a transformação digital e a automação poderão trazer a nível do emprego e rendimentos, apenas acentuam a necessidade de a sociedade ser capaz de encontrar uma resposta que devolva confiança no futuro. A criação de mecanismos que aumentem a mobilidade social dos cidadãos representa um fator essencial para atingir esse propósito, e esta será um fator decisivo em 2024, um ano marcado por eleições relevantes nas principais economias mundiais.

‘Bottoms’ up’: 2024 pode definir estruturalmente a evolução civilizacional desta década

O mundo está a mudar rapidamente numa série de frentes, devido à inovação e alterações na tecnologia que podem moldar e criar riscos na estrutura social. Ao mesmo tempo, existe um contrarrelógio numa série de situações estruturais, que dependem da capacidade das principais nações de agirem dentro de um quadro de cooperação internacional – com destaque para os objetivos de carbono zero, para conter a emergência climática.

Isso implica construir um ecossistema de cooperação entre países, que permita acesso a tecnologias de energia limpa e capital de confiança para implementar medidas que podem colidir com outros interesses, nomeadamente económicos e industriais. Tal como encerra em si desafios políticos e geopolíticos que terão de ser feitos em conjunto com os cidadãos, que vivem atualmente um processo de rebelião contra o sistema político de centro e que exigem um novo contrato societário que a devolva esperança numa maior coesão e mobilidade na escala social.

Estas respostas têm de ser dadas num delicado exercício de equilíbrio de vontades, num cenário que será marcado por conflitos militares que têm que ser transferidos para a diplomacia, pelo regresso das cortinas de ferro entre Ocidente e Leste, e que irá alimentar a polarização política e as desigualdades. É absolutamente decisivo gerir estes fatores complexos s para que o mundo volte a conversar e a agir.