Durante o período eleitoral, o ambiente era perturbador, impeditivo de um mínimo de compostura para abordar este ou outro tema. Um ambiente mais de almoços ou jantares e mesmo estes a tornarem-se turbulentos com a subida dos oradores de serviço ao palco onde perdiam o pé e passava a valer tudo.

Melhor seria, no entanto, designar esta temática de, receita fiscal e contributiva, pois, do que se trata efectivamente, é de uma soma da receita fiscal mais contribuições sociais efectivas relacionada com o PIB – 35,4% foi o que representou essa soma em 2018 em Portugal (aumento de 1 ponto percentual face a 2017).

Carga fiscal tem logo aquele ónus de nos porem a canga sobre os ombros. E foi o que aconteceu com a divulgação daquele valor pelo INE na primeira quinzena de Maio. Uma vozearia ensurdecedora. A maior carga fiscal de sempre abateu-se sobre os portugueses!!.

Agora, em período menos tenso, entremos numa certa relativização, no quadro da União Europeia (a 28 países), desta percentagem de 35,4%, e um pouco na sua compreensão. E a terminar, breves comentários sobre a necessidade de um melhor uso colectivo dessas colectas fiscais.

Portugal ocupa o 12º lugar no Ranking europeu (EU) dos países com menos carga fiscal. Com menos ainda, alguns países com regimes tributários especiais (quase tipo offshores) como a Irlanda (22,9%), Malta, Chipre, e alguns dos países recentemente entrados. A Espanha fica-nos próxima com 34,9%.

Os países mais ricos estão à nossa frente, todos com percentagem bem mais elevada. Finlândia, Suécia, Bélgica, Dinamarca e França são os países com valores mais altos neste indicador.

Daí, talvez a simples receita fiscal e contributiva de per si não nos dizer muito, a não ser em termos de campanha.

Portugal e outros países sobretudo do Sul da Europa até poderiam estar quase no topo com percentagens da casa dos 50% se combatessem de forma mais eficiente a evasão fiscal.

Interessante ler o que é dito a este propósito na Tese de Mestrado de Eduardo Barbosa (estimação para 2011), publicada no site do OBEGEF (Observatório de Economia e Gestão de Fraude – Faculdade de Economia da Universidade do Porto): “Se toda a economia paralela portuguesa estivesse reflectida nas contas nacionais sendo considerada no PIB e o Estado cobrasse o mesmo nível de impostos que cobra à economia oficial, em vez de um défice de 4,2% do PIB e uma dívida de 107% teríamos um excedente orçamental de quase 1,2% e uma dívida pública de 82% do PIB e as finanças públicas seriam das mais robustas da Europa”. (Interessante, não é?! Portugal com uma das taxas mais elevadas de evasão fiscal da Europa).

Mas, agora, impõem-se umas quantas considerações mais detalhadas sobre impostos específicos, os que contam. Os três impostos principais IVA, IRS e IRC perfazem, nos últimos 15 anos, entre 72% e 75% das receitas fiscais em Portugal.

Assim, é o comportamento evolutivo destes três impostos que determina e determinará muito significativamente o montante das receitas fiscais globais.

Estudos econométricos e outros de vários autores nacionais e estrangeiros permitem concluir o seguinte:

  • As receitas do IVA dependem essencialmente do consumo privado.
  • As do IRS do salário médio mensal e do número de contribuintes.
  • As do IRC do comportamento do Valor Acrescentado Bruto (VAB).

O que se tem passado em Portugal, nestes últimos anos, é o consumo privado a crescer devido ao aumento significativo do rendimento disponível das famílias, rendimento esse que decorre de vários motivos. Mas, de uma forma simples, tem sido a maior injecção de dinheiro no circuito económico (reversão dos cortes salariais e pensões, embora ainda haja muito por reverter sobretudo nas pensões e reformas, aumentos de salários, etc.) a interferir na evolução positiva do IVA, apesar das taxas não terem aumentado. Pelo contrário, foram reduzidas em algumas situações, caso da restauração, o que terá tido como efeito algum aumento do emprego e não a baixa do preço das refeições. No entanto, o aumento de emprego neste sector decorreu sobretudo do boom turístico. Daí algumas nuvens sobre “a bondade” desta baixa do IVA.

As receitas do IRS aumentaram e bastante, devido ao alargamento do número de contribuintes (mais gente no mercado do trabalho/redução do desemprego) e ao aumento dos salários, ou seja, a base tributária foi amplamente ampliada e sem aumento das taxas dos escalões. Aqui, pode questionar-se em termos de equidade se os escalões não deveriam ser em maior número e mais alargados, pois as classes médias são as mais afectadas e as taxas dos escalões superiores de rendimento serem um pouco mais penalizadas. Choca uma taxa normal de IRS sobre um rendimento de €80 000/ano ser igual á de quem usufrui 500 000, um milhão ou dois e mais milhões. Choca.

Quanto ao IRC (imposto sobre as empresas) o aumento registado deve-se à melhoria da economia. Neste imposto que conta muito menos que o IRS para as receitas fiscais (o que é um paradoxo), isso deve-se a demasiadas isenções na dedução dos lucros, até se chegar à base de incidência pelo que as taxas nominais vigentes pouco têm a ver com as efectivamente cobradas sobretudo ao nível das grandes empresas e grupos económicos (a chamada “engenharia financeira” a funcionar!!). Mas a situação bem mais grave é, como antes se referiu, a da evasão fiscal relativa a cerca de 26% ou mais do PIB, segundo estimativas também da OBEGEF.

Portugal não anda só nesta matéria. Os países do Sul da Europa sofrem deste mesmo sintoma terceiro-mundista.

Os impostos podem baixar?

Uma questão difícil, posta desta forma desfoca a questão. O problema fundamental não me parece estar aí, mas na base de incidência. Há quem pague quando deveria pagar muito menos e há quem pratique a fuga total ou em parte e pouco paga.

Que as receitas fiscais no global devam baixar, não.

Penso que até devem aumentar pois as necessidades colectivas são enormes e por muito tempo. As formas de as gerar têm de ser outras mais eficazes e equitativas.

Desde logo por um melhor desempenho da economia e por um grande aperto à evasão fiscal. A evasão fiscal está no ADN das pessoas e estão criados os mecanismos internacionais (e alguns nacionais) de incentivo à facilitação dessa fuga. Um tema que requer uma actuação e cooperação alargadas a nível europeu. A harmonização fiscal tende a ser um bom caminho.

Mas há uma outra frente importante. A falta de contrapartidas adequadas na qualidade dos serviços públicos prestados.

A correspondência entre impostos e qualidade dos serviços prestados em vários domínios (saúde, transportes, ensino, segurança social, rapidez de acesso, etc, etc) é deveras deficiente e por vezes ainda pior, sem data. O que se está a passar, no presente, com a renovação do cartão de cidadão e passaportes é o exemplo acabado da degradação de um serviço que já funcionou muito bem.

Porque chegou a esta situação?

Não era possível ter atacado a situação aos primeiros sintomas?

Era, sem dúvida. Algum desleixo, falta de competência ou falta de mando permitiram que o turbilhão se desenrolasse.