Decorreu no passado dia 19 de dezembro o debate da “Petição contra a fraude nos apoios em Pedrógão Grande”, na Assembleia da República (AR). Entregue em setembro de 2018, após uma manifestação e recolhidas mais de quatro mil assinaturas, foram necessários quinze meses até ser marcado o debate. A petição requeria, entre outras pretensões, um inquérito parlamentar à utilização fraudulenta de donativos e verbas públicas para as vítimas da tragédia ocorrida em junho de 2017.

A petição é anterior à dedução da acusação por parte do Ministério Público (MP) contra 28 arguidos, entre os quais o presidente da Câmara de Pedrógão Grande, Valdemar Alves, reeleito pelo PS. O Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Coimbra concluiu que houve uma aplicação indevida de apoios, provenientes de crimes, no montante global de 716 mil euros.

Os partidos CDS, PAN, IL e Chega afirmaram à imprensa no dia do debate que estariam disponíveis e a favor de um inquérito parlamentar. Mas, chegado o momento no plenário, só João Almeida, deputado do CDS, foi claro a expor a amplitude da tragédia e peremptório a defender o inquérito. O deputado do Chega, tão lesto no aproveitamento político na imprensa, saiu do plenário momentos antes e não assistiu ao debate.

O deputado da IL estava entretido ao telemóvel, o que é normal visto que o partido nunca contribuiu para a questão ou foi avistado na zona sinistrada. O PAN recuou para um discurso oco, apelando a medidas para que que estas situações não tornem a ocorrer mas em nada contribuindo para a resolução da situação atual. O deputado Santinho Pacheco do PS, numa intervenção que deixou perplexo quem o ouviu, considerou que “ver nos inquéritos parlamentares a resposta a todo o tipo de frustração é muito redutor”.

Alguém relembre ao deputado que o caso de Pedrógão Grande, com as dezenas de vítimas e os donativos desviados numa teia de corrupção, foi a maior tragédia no país nas últimas décadas, não uma mera frustração. Se um inquérito parlamentar não se justifica neste caso, então não é percetível para o que servem.

A estes deputados em particular e restantes intervenções no plenário, só me resta uma palavra – vergonha. É realmente vergonhoso que tantos deputados tenham obliterado esta tragédia tão rapidamente quando ainda esta semana surgiram novos dados. Em entrevista, Vitor Reis, antigo presidente do IHRU, fez críticas demolidoras a Rui Rui, a António Costa e à ministra Ana Abrunhosa, garantindo que o MP não investigou tudo sobre as fraudes na reconstrução, e, caso os deputados avancem com uma comissão de inquérito, mostrou-se disponível para depor na AR.

Em agosto de 2018, escrevi numa crónica neste jornal que Pedrógão Grande se converteu no símbolo de uma tragédia que parece não ter fim à vista para as vítimas. Mal sabia que passado mais de um ano estaria na AR a assistir a um debate que deveria indignar qualquer português, independentemente da sua cor política. Os mortos de Pedrógão Grande já não comovem nem dão votos.