A política não se resume, nem se pode resumir, ao cumprimento das propostas eleitorais, aos discursos nos debates quinzenais e às notícias dos jornais. A política de hoje, como a de ontem, tem de ser uma política de números. Sim, números. A política não é só retórica e coragem, não é só Lincoln ou Churchil, é também economia e planeamento, venha ele da Áustria ou do Reino Unido, de Hayek ou de Keynes.

A política, hoje mais do que nunca, exige que sejam feitas contas, exige que sejam analisados os indicadores (no seu todo e não em parte, sejam eles convenientes ou não). Nos dias de hoje, em que a desinformação impregnou a cidadania e o populismo contaminou a política, é necessário estudar o impacto das decisões políticas, não só na sua vertente social, mas também na sua vertente económica e financeira.

E, feito isto, é necessário que a decisão fácil do presente, que se converterá na dívida do futuro, deixe de ser tomada. É fundamental que o bem a curto prazo não seja prosseguido à custa de um prejuízo a longo prazo e é essencial que essa seriedade se torne numa característica dos políticos, mas também numa exigência dos eleitores. Porque se assim não for, é muito provável que não cheguemos a lugar algum.

Os portugueses viveram anos de grande dificuldade durante o resgate financeiro de 2011. Para quem não tem tão presente o que significaram estes anos – o que é difícil de admitir –, recordamos algumas das medidas adoptadas, por imposição do memorando de entendimento: congelamento dos salários e limitação de promoções; redução das pensões superiores a 1500 euros e corte adicional nas mais elevadas; fim das reformas antecipadas aos 55 anos; cortes nas deduções de IRS e criação da sobretaxa; aumento da taxa de IVA de 6% para 23% em diversos bens; redução dos custos dos sistemas de saúde; cortes em diversos subsídios; redução de dirigentes da Administração Pública e extinção de organismos públicos.

Os rendimentos desceram e as despesas diminuíram e, de facto, tudo isto em tão pouco tempo, foi muito, muito difícil. Mas em boa verdade, a generalidade dos portugueses compreendeu a necessidade de tal ajustamento porque, ao fim de quatro anos, existiam resultados para mostrar. Recorde-se que em 2010 o défice público situava-se nos 11,2 % do PIB e em 2015 já era de 4,4 % do PIB. Para além disso, em 2015, a dívida pública diminuiu – o que já não acontecia desde 2007 – de 130,6 % do PIB em 2014 para 129,0 % do PIB em 2015.

Hoje, as coisas estão diferentes e mudaram muito rápido. Com a mudança de Governo, o discurso de apelo ao esforço financeiro das famílias transformou-se no discurso de que a austeridade não era um mal necessário e, assim, a política de contenção deu origem a uma política de reversões. Curiosamente, depois de uma política intensa de reposição de rendimentos, o Governo apresentou, em 2016, um défice de 2,0 % do PIB, valor que, segundo o ministro das Finanças, deverá descer no final do ano para 1,5 % do PIB.

Esta circunstância faz-nos pensar que, aparentemente, existe um caminho alternativo à austeridade. Contudo, aqui o advérbio reveste-se de uma importância acrescida. Pois, se olharmos para a evolução da dívida pública portuguesa, verificamos que esta está a aumentar. Se em 2016 este valor representava 130,4 % do PIB, a mais recente nota estatística do Banco de Portugal informa-nos que este valor, no período de Julho de 2017, se situava nos 249,2 mil milhões de euros, o que pode representar,  no caso de se manter o valor do PIB do ano anterior, um aumento da dívida na ordem dos 4,3 % do PIB.

Ora, a verdade é que as boas notícias que o Governo tem apresentado vão-nos sair bem caras no futuro. O aumento da dívida pública é uma bomba-relógio, pois, como sabemos, os ratings financeiros alteram-se e os juros do Banco Central Europeu também. Infelizmente, tudo isto é uma questão de tempo. De acordo com os dados da OCDE, Portugal, no ano de 2016, apresentava a quarta maior dívida entre os países com economias mais desenvolvidas. Continua a achar que está tudo a correr bem?

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

 

Nota: Os indicadores económicos apresentados podem ser conferidos em http://ec.europa.eu/eurostat.