Desconfio sempre dos políticos que proclamam a sua aversão à política. É certo que esse registo já provou poder levar ao topo da hierarquia do Estado, mas é um registo sonso que não honra a política, muito menos quem o usa.
Rui Rio é um dos paladinos do culto desta imagem do anti-político. Contudo, é rara a semana em que não se saiba de um jantar com apoiantes, de um almoço preocupado, de uma afirmação apreensiva. Achando insuficiente este permanente ruido de fundo, o anti-político Rui Rio passou às entrevistas de grande impacto. Tudo no mais absoluto desprendimento e entrega pessoal, visando salvar o PSD para, de seguida, poder salvar o país. A agitação de Rio, para quem proclama não querer ou precisar de “viver da política”, é manifestamente exagerada. O tempo de Rui Rio é precipitado, a ânsia mais que evidente.
Ganhei respeito pessoal por Pedro Passos Coelho ao longo do governo que liderou, e que apoiei. As suas qualidades pessoais foram fundamentais para sairmos do resgate herdado dos socialistas, para termos a estabilidade governativa que o país precisava, para concluir com sucesso o que se propôs fazer, liderando o primeiro governo de coligação que durou uma legislatura completa. As qualidades essenciais de Pedro Passos Coelho são a inquestionável seriedade, sobriedade, determinação e intransigência na defesa do interesse público. Por artes da geringonça, ficámos sem saber como seria a sua prestação à frente de um governo em período de maior desafogo, como projectaria o país para o futuro depois da emergência, se teria a abertura e a inteligência criativa para adicionar desenvolvimento ao resgate.
Pode dizer-se com justiça que Rio é tão sério como Passos. Não é seguramente tão sóbrio, mas é mais cegamente rigoroso e claramente mais intransigente, com uma visão muito própria do que é o interesse público. Para Rio, são as contas, o deve e o haver e, de preferência, o poupar. Depois da política, de que se diz desprendido, a contabilidade é a sua paixão. O Porto pode agradecer-lhe uma certa ordem nas contas municipais, o fim dos escândalos socialistas e a vontade de moralização do funcionamento da Câmara e dos seus serviços. Não é pouco, mas é só. Foi uma missão necessária, mas que se esgotou em si mesma.
A par deste saneamento necessário, Rio desprezou ostensivamente a cultura, falhou redondamente no social, abriu guerras desnecessárias com as instituições da cidade, fez obra polémica e indesejada, insistiu em manter a cidade na estrita dimensão do seu pensamento pessoal. Quando o Porto pôde respirar, todos vimos a explosão de progresso que hoje inunda diariamente a cidade. O Porto pós-Rio é a afirmação da capitalidade da cidade no noroeste peninsular, é o cosmopolitismo que a projecta internacionalmente, é uma cena cultural fervilhante, é humanismo nas políticas sociais, é a afirmação económica crescente e, pasme-se, contas claras e direitas na Câmara.
Passos só se pôde afirmar em período de emergência. Foi-lhe roubada a possibilidade de se mostrar em período de recuperação e estabilidade. Rui Rio já pôde mostrar ao país a sua capacidade em ambas as circunstâncias. Se na primeira acredito que cumpriria, como Passos cumpriu, embora previsivelmente com mais austeridade e menos sensibilidade; na segunda, já mostrou não ser capaz, já deixou claras as limitações do contabilista carrancudo e belicoso, já compreendemos que há muitas mais qualidades que é preciso adicionar à imprescindível seriedade.
Se Rui Rio fosse hoje a votos no Porto que governou, seria eleitoralmente esmagado por Rui Moreira. Passos foi a votos com Costa e ganhou. Passos teve a confiança dos portugueses, na expectativa de estar à altura do momento seguinte; Rio já mostrou do que era capaz. Será isto que o PSD quer oferecer ao país?
O autor escreve segundo a antiga ortografia.