Conta-se que o escritor Philip Roth pediu ao autor da sua biografia, Blake Bailey: “não quero que me reabilite. Apenas que me faça interessante”. Se uma série de acusados e suspeitos da Justiça portuguesa fizessem uma biografia, teriam de contratar mais do que um escriba (pois muitos mal falar e escrever sabem) um verdadeiro especialista em limpezas. As de imagem, naturalmente.

Sabemos que apesar de muitos alegarem viver nos limiares da pobreza, sem rendimentos, sem empresas, praticamente na penúria, depois arranjam com certeza amigos muito caridosos, à maneira de Carlos Santos Silva, que financiam a contratação de advogados de topo para, por um lado, construírem infindáveis “matrioskas” jurídicas que os levavam a escapar-se ao pagamento à banca das centenas de milhões de euros de dívidas contraídas e, por outro, ardis e artimanhas para que os julgamentos sejam adiados sucessivamente até à prescrição e todos os maus continuarem a dormir em paz

Mas parece que os agentes da Justiça querem finalmente acabar com a impunidade destes vultos que se continuavam a pavonear por aí sem respeitar os portugueses. Aliás, é muito sugestiva e quase inédita a detenção de Andre Luiz Gomes, advogado de José Berardo, um sinal de que se vai passar a olhar para quem está conivente e mancomunado com os prevaricadores na fuga aos impostos e obrigações com a comunidade.

No meio disto, que é o verdadeiramente importante e urgente de combater pela sociedade pela perversão evidenciada, o episódio vivido pelo ministro Eduardo Cabrita durante duas semanas, para lá da tragédia de uma vida humana ter sido ceifada, parece risível. Porque o grave politicamente foi o membro do Governo nada ter dito durante duas semanas, não ter tido um gesto de humanidade com a família enlutada, o que fez crescer a indignação e pedir-se uma remodelação ministerial para a qual António Costa não estava inclinado.

Ver que o BMW que transportava o ministro pertencia a um traficante de droga, que a sua sogra paga 500 euros por mês de prestação pela viatura e que o dito traficante quer o carro de volta e uma indemnização é apenas um sinal dos dias de caricatura que vivemos.

Portugal parece há muito tempo emaranhado num teatro do absurdo, com protagonistas ridículos, situações grotescas inesperadas e umas elites medíocres e incultas que atolaram o país num pântano de falta de vergonha. Lembro-me sempre da peça do dramaturgo Eugène Ionesco, expoente máximo desse “teatro do absurdo”, “O Rinoceronte”.

Em França, numa vila pacata e esquecida, surge um rinoceronte que tal como surgiu desaparece do nada. A seguir volta de novo e desaparece e os habitantes ficam a discutir se o paquiderme tinha um corno ou dois. Depois os rinocerontes multiplicam-se e é a população que é vítima de uma metamorfose e se transforma em rinocerontes.

Ora, em Portugal, não podemos transformar-nos em rinocerontes, ir na onda dos prevaricadores, dos vigaristas. Não podemos permitir que a impunidade se instale e que se perca a vergonha. Berardo, Vieira, mas também tantos outros a quem falta um banho de cadeia e continuam a andar por aí, são a prova de que, passe a presunção de inocência, os pilantras só podem dormir na prisão.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.