As políticas públicas sobre a questão incontornável da habitação têm sido ou inexistentes ou muito negativas. O congelamento das rendas em 1974 destruiu o mercado dos novos arrendamentos durante várias décadas e expulsou os habitantes de Lisboa e do Porto para os concelhos limítrofes, onde aquele congelamento não se aplicava, que tiveram uma forte expansão, à custa da perda de qualidade de vida das populações, que passaram a ter que gastar imenso tempo e dinheiro nas deslocações para o trabalho e, nos primeiros tempos, também para a escola.

Em meados dos anos 90, a descida das taxas de juro associada à preparação para a entrada no euro foi tornando acessível a aquisição de casa própria como alternativa ao quase inexistente mercado de arrendamento. Tem que se reconhecer que também houve alguma construção social, nalguns casos de substituição de barracas, mas cuja atribuição foi sempre um pouco arbitrária.

A relativa facilidade com que a questão do alojamento foi sendo resolvida, quase sem intervenção pública, criou um misto de negligência e uma crescente imposição de restrições e inércia por parte das autoridades.

A intervenção pública pode não ser necessária, mas o mínimo que se exige é uma monitorização atenta do que se passa ao nível da quantidade de habitações que vão sendo disponibilizadas e dos seus preços. Se olharmos para os dados (nalguns casos de muito difícil recolha, o que já é um péssimo indicador), verificamos que nem essa monitorização terá havido, em particular na última década, com a displicência a atingir patamares muito elevados em Lisboa.

Entre 2010 e 2021, os preços em geral subiram 12% e o salário médio nominal cresceu apenas 13%, o que é equivalente a dizer que houve uma estagnação do poder de compra, fruto da estagnação da economia, que já dura desde o início do século.

Não há estatísticas regulares sobre rendas, excepto para os últimos anos, mas usando os dados dos censos pode-se estimar que estas terão subido cerca de 45% naquele período, muito acima quer da inflação em geral, quer dos salários, o que tem de ser encarado como um fracasso das autoridades, que nada fizeram para travar esta subida. Aliás, se parte deste aumento é resultado dos vistos gold e da expansão do alojamento local, deveria ter havido um claro aumento da oferta para acompanhar esta subida da procura, que não houve. Destaca-se aqui o caso de Lisboa, onde chegou mesmo a haver queda do número de habitações entre aquelas datas.

Os preços da habitação subiram ainda mais, 57% no caso do país e cerca do dobro no caso de Lisboa (segundo a avaliação bancária). O aumento do valor das casas é um indicador mais ambivalente, porque prejudica os mais novos, mas beneficia os proprietários e, para a maioria das famílias, este é o seu maior investimento.

Em resumo, as autoridades têm assistido impávidas ao aumento desproporcionado das rendas face aos salários, parecendo apenas estar a tomar medidas insignificantes ou absurdas, como remodelações de luxo num número muito restrito de casos de rendas “controladas”.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

Este artigo integra o conjunto de artigos a publicar durante o mês de julho, dedicados ao tema da habitação.