“A transição para a energia limpa significa fazer um investimento no nosso futuro”, Gloria Reuben

Os efeitos globais da transição para uma economia ecologicamente mais sustentável tem imbuído um valor acrescentado inegável em termos de conquistas da civilização humana, quer ao nível da sustentabilidade da utilização dos recursos naturais do planeta, quer da oferta de maiores garantias em termos de longevidade e qualidade de vida das futuras gerações.

As décadas recentes têm mostrado, fruto de avanços na maturidade das tecnologias utilizadas e de maiores ganhos de eficiência, uma significativa redução dos custos associados à produção de energias de fontes renováveis. Por outro lado, e na sequência de avanços científicos disruptivos, a produção com base em combustíveis fósseis, como o petróleo e gás (shale ou gás de xisto), tornou-se também ela mais competitiva em termos de custos ligados à extração.

Desta forma, a vertente competitiva entre os dois grandes agrupamentos de origens energéticas deverá acentuar-se e marcar o ecossistema do sector. E a inovação no financiamento, assim como a harmonização entre risco de países, sobretudo na Europa, pode estar na base da necessária demarcação entre o passado e futuro sustentável.

As barreiras que têm atrasado uma maior implementação “verde” estão agora a ser ultrapassadas

Os benefícios das energias renováveis são por demais evidentes e visíveis, mas têm tido um histórico de elevadas barreiras a ultrapassar que têm dificultado a implementação da tecnologia de uma forma mais ampla e global. Seja o facto de existirem estruturas de mercado que atrasaram a implementação das tecnologias, seja a falta de conhecimento e perceção acerca das inovações emergentes no campo das renováveis, a dificuldade de acesso ao financiamento e consequentes custos de capital elevados, seja ainda o fraco enquadramento regulatório ou incertezas em termos de legislação, todos constituem exemplos de bloqueios que atrasaram o ímpeto da implementação das energias renováveis à escala global.

Contudo, à medida que existe maior cooperação entre indústria, poder legislativo, reguladores e instituições financeiras, muitos dos obstáculos começam também a ser ultrapassados. Com ganhos de eficiência incrementais e custos que diminuem à medida que  a tecnologia  amadurece, os custos financeiros representam atualmente uma grande parte dos custos globais para desenvolver os projetos de energia renovável, pelo que a inovação financeira poderá ser a próxima etapa de redução de custos para as energias renováveis a fim de manter sua posição competitiva face aos combustíveis fósseis – e assim reduzir a necessidade de dependência de incentivos  governamentais, conferindo sustentabilidade aos projetos no médio prazo.

As diferenças de estruturas de custos na gestão de projetos fósseis vs. renováveis

É importante analisar a dinâmica competitiva entre as fontes de combustíveis fósseis e as renováveis. E porque é que a diferença de custos de financiamento dos projetos em ambas as alternativas – que são mais desfavoráveis no contexto das energias limpas – é um fator que desequilibra a competitividade. A inovação financeira poderá ser uma chave essencial para corrigir esta realidade – sobretudo quando olhamos a nível global – e permitir que as fontes renováveis se mantenham competitivas num ambiente de combustível fóssil com custos baixos.

Ao contrário das estruturas de produção de energia tradicionais, como carvão e gás, os projetos de energia renovável são altamente intensivos em capital. As unidades de produção de combustível fóssil têm custos iniciais de capital mais baixos, mas custos operacionais mais altos durante a sua vida útil, principalmente na forma de custos de combustível. Os projetos de energia renovável, como a energia eólica, por outro lado, têm custos de combustível praticamente zero, mas investimentos iniciais muito elevados.

As estruturas de custos têm depois diferenças consoante o tipo de tecnologia renovável utilizada, mas por norma o investimento inicial e os custos de capital para a energia solar, por exemplo, chega a representar mais de 80% dos custos totais dos projetos, em contraponto a soluções mais tradicionais associadas às centrais de carvão ou gás, onde estas componentes rondam um intervalo entre 10% a 25%.

A sensibilidade com custos de capital atinge não só o projeto, mas também os Estados e os consumidores

Neste sentido, e porque no mundo da oferta de energia as fontes renováveis têm sido responsáveis por cerca de metade da capacidade de produção de energia mundial na última década, com grande parte dos observadores globais a estimar que esta componente cresça ainda mais proporcionalmente às alternativas fósseis mais competitivas (como é o caso do gás natural) é expectável que este custo também beneficie da maior maturação tecnológica.

Consequentemente, os projetos de energia renovável, especialmente a energia solar e eólica, acabam por ser sensíveis às mudanças nos custos de capital. Portanto, se o sector financeiro conceder taxas de juro mais altas no seu empréstimo a uma central fotovoltaica, isso irá traduzir-se em maiores custos durante a vida útil do projeto. O custo nivelado da eletricidade torna-se maior, e isso significa que é necessário maior apoio governamental para torná-lo lucrativo. Uma vez que a maior parte dos sistemas de apoio são financiados por taxas pagas pelos consumidores, os custos de capital mais altos acabam por se refletir em contas de eletricidade mais caras.

O exemplo da União Europeia e a necessidade de harmonização do acesso ao financiamento reduzido

Esta é a realidade, por exemplo, nos países da União Europeia. Acresce que, nesta situação específica, existem desigualdades elevadas no que diz respeito aos diferentes países europeus – e que são significativas – que resultam das diferentes perceções de risco do país e do sector a nível regional. De acordo com um relatório da DiaCore (2016) financiado pela União Europeia – “The impact of risks in renewable energy investments and the role of smart policies” –, as divergências ou spreads entre custos de capital entre países europeus chegava a atingir, ou ultrapassar, os 700 pontos base, com países como a Alemanha a financiarem-se a 3,5%, enquanto países como Espanha se financiavam a 10%.

Esta divergência na variação nas taxas de custo de capital em toda a União Europeia significa maiores custos globais para cumprir as metas de energia renovável. Significa, adicionalmente, que todas as outras coisas sendo iguais (ou ceteris paribus), projetos que sejam menos eficientes do ponto de vista de recursos, podem ser beneficiados, simplesmente porque estão a ser desenvolvidos num país onde existe um baixo custo com o capital.

Além disso, os países com maior custo das taxas de capital (que muitas vezes são economicamente mais frágeis) terão maiores despesas para cumprir as suas metas comunitárias – criando-se desta forma uma situação de divergência no que respeita aos benefícios sociais do desenvolvimento da energia renovável.

Criar soluções para nivelar o custo de capital a nível europeu pode trazer benefícios financeiros, económicos e sociais, para além do cumprimento das agendas climáticas, que atingiria todos os países da União Europeia.

‘Bottoms up’: a chave para menores custos e maior implantação da agenda verde

Atualmente, a implementação das energias renováveis é uma realidade que está no planeamento e pensamento estratégico das principais economias desenvolvidas. É o coração da estratégia pós-Covid na Europa e nos Estados, mas precisa de ganhar tração também ao nível das soluções de financiamento privado, para depender menos de subsídios estatais ou da transposição para o consumidor final, que depois acaba por criar um potencial círculo vicioso.

Mas o custo do capital exigido pelos investidores tende a variar entre países não só pelo risco financeiro específico, mas também por causa da incerteza associada à legislação e regulação. Ou seja, os investidores não sabem como a política governamental em relação às energias renováveis ​​poderá evoluir no futuro.

Urge uma maior coordenação internacional relativamente ao compromisso com a transição para a tecnologia limpa, assim como a criação de mecanismos de confiança financeira – nos casos onde isso é possível, como é o caso europeu – de forma a que não subsistam divergências significativas nos prémios de risco entre economias mais ricas e outras mais periféricas, no que diz respeito ao acesso aos financiamentos dos projetos energéticos.