Não sei quantos eleitores leem os programas eleitorais dos partidos. Depreendo que em geral não têm noção precisa do que propõem. Qual é o foco da política de cada um consubstanciada numa frase memorável, numa mensagem principal, para tornar Portugal great again?

A meu ver, para ser grande outra vez, Portugal precisa de uma estratégia industrial fundada em know how especializado em determinadas áreas que já domina (know how é definido como conhecimento tácito utilizado para novos produtos). Segundo o Harvard’s Growth Lab no Center for International Development da Universidade de Harvard, Portugal está bem posicionado para diversificar a sua produção usando know how existente.

A atual complexidade da economia portuguesa, classificada apenas como moderada, não permite um crescimento superior a 3.1% por ano na próxima década, o que coloca Portugal na metade inferior da tabela global. Os países que exportam produtos de maior complexidade crescem mais depressa, pelo que o crescimento pode ser empurrado por um processo de diversificação do know how para produzir um conjunto de serviços e produtos mais complexos.

O problema atual é que a economia exportadora está maioritariamente concentrada em produtos e serviços de baixa complexidade, como agricultura e têxteis, embora haja algum contributo de produtos de complexidade moderada, como as TIC e o turismo. Os países com grande diversidade de know how complexo são capazes de produzir uma maior diversidade de produtos sofisticados. Portugal diversificou na última década para um número suficiente de produtos, mas os volumes são demasiados pequenos para contribuir para crescimento significativo.

A concentração de serviços no turismo é bom exemplo de como a quantidade contribui para o crescimento da quota de mercado mundial. Os países obtêm mais sucesso com a diversificação de produtos que requerem know how semelhante e especializado e que crescem sobre capacidades existentes. Segundo Harvard, o know how existente em Portugal oferece muitas oportunidades de diversificação em produtos relacionados. Todavia, é preciso eliminar os obstáculos e diminuir a distância entre produtos relacionados. Tendo em consideração as exportações atuais, alguns sectores oferecem grande potencial de diversificação. A opção estratégica recomendada para Portugal é a produção de maquinaria e equipamentos industriais e elétricos. Sugeri exatamente isto mesmo em artigo há cerca de um ano.

Nesta tão singela recomendação de Harvard reside o segredo para o absolutamente necessário rápido crescimento da economia e consequente melhoria do bem-estar dos portugueses.

Os programas eleitorais para que olhei — PS, CDS e PSD – são muito longos. Nenhum dos três programas aborda, no contexto da globalização, financialização e digitalização da economia, de modo enfático e detalhado, a questão das vantagens competitivas de Portugal como centrais ao desenvolvimento rápido da economia portuguesa. Todavia, todos abordam a questão industrial.

O programa do CDS coloca-se totalmente no âmbito da globalização. O PS dá grande relevo à digitalização e dedica alguma atenção ao contexto externo — às incertezas e riscos do atual mundo multipolar. O programa do PSD aborda esta problemática, mas padece de falta de narrativa. Propõe uma política económica de apoio à renovação e crescimento do tecido empresarial português, cabendo ao mercado determinar quais serão os empreendimentos vencedores e ao Estado a função de eliminar as distorções competitivas que impeçam o desenvolvimento do sector externo e uma governação adequada à competitividade emergente da globalização.

O PS e CDS abordam a educação e a formação profissional no contexto da economia digital. O PSD utiliza as palavras digital, digitalizar ou digitalização apenas três vezes, e uma delas para a referir a TV digital terrestre. O CDS refere 41 vezes e o PS 111 vezes. Todavia, o PSD refere globalização 10 vezes, sem contudo contextualizar, enquanto o PS apenas uma. O CDS refere cinco vezes e contextualiza o programa no mundo global.

O PSD não foca nas alterações climáticas, que são referidas apenas no âmbito de uma medida a adotar, e não como pilar de uma política, e a palavra demografia aparece referida uma única vez num parenteses. A Europa é mencionada 29 vezes no programa do PS, 37 vezes pelo CDS e 19 vezes pelo PSD.

Os programas do PS e o do PSD são semelhantes na medida em que colocam o Estado centro da política, não propõem nenhuma reforma do sistema, enquanto o do CDS coloca a primazia na pessoa. É dos três o único programa, digamos, reformista. O paradigma filosófico dos programas do PS e do PSD está fundado no status quo em que o Estado é o principal protagonista que precisa de ser “melhorado” e “apoiar”, enquanto o programa do CDS propõe um novo paradigma fundado no indivíduo e em menor intervenção do Estado.

É certo que o PS coloca nominalmente a vida das pessoas na centralidade do programa, e o PSD também faz referência à centralidade do cidadão, mas o paradigma que os informa é fundamentalmente diferente do que é apresentado pelo CDS.

Do programa do PSD não transpira um fio condutor mobilizador. Poderia ser caracterizado como institucionalista e paternalista, como de resto também o do PS, mas este mais atual e contextualizado nas supostas maravilhas do digital. O programa do PSD utiliza um formato estratificado e terminologia ultrapassada, assumindo-se contra as políticas seguida pelo PS, enquanto o do CDS não descamba para a crítica e assume-se como construtivo.

Os programas do PS e do PSD estão disponíveis na net em PDF. São clássicos documentos em estilo Diário da República com umas manchas de cor. O programa do CDS tem um site próprio, é inovador, recorre à fotografia, web design simples, e também está em disponível em PDF.

O PS refere os principais temas do programa como desafios estratégicos. O CDS chama-lhes objetivos para a legislatura. O programa do PSD está dividido em pilares que por sua vez estão divididos em eixos.

Os desafios do PS são, em resumo:

1-   Clima: Enfrentar as alterações climáticas garantindo uma transição justa

2-   Demografia: Mais pessoas, mais qualidade de vida, dignidade para os seniores

3-   Desigualdade: Mais e melhores oportunidades, sem discriminações

4-   Digital: Criatividade, inovação, sociedade digital

O slogan principal do PS é Fazer ainda mais e melhor. A mensagem é — fomos bons, evolução na continuidade. O programa é profuso no enaltecimento do que o PS considera serem sucessos das suas políticas. O primeiro capítulo intitulado Boa Governação poderia ter sido escrito pelo ministro das Finanças. Afirma ser necessária uma política orçamental estável e credível. Reconhece incerteza quanto ao futuro.

No quadro orçamental a principal condicionante continuará a ser o nível ainda elevado da dívida pública. O primeiro objetivo na legislatura é a redução da dívida pública para próximo dos 100% do PIB. O segundo objetivo é manter o saldo primário perto dos 3% do PIB. Mesmo assim, o PS propõe reduzir o esforço fiscal sobre famílias e empresas.

O PS propõe de forma clara um modelo de desenvolvimento: economia e sociedade assentes no conhecimento, crescimento da produtividade assente na inovação e na qualificação das pessoas; uma sociedade inclusiva pelas oportunidades criadas pelo digital; economia aberta, o Estado apoia o processo de internacionalização das empresas e a modernização da sua estrutura produtiva. Competitividade apostando nos nossos recursos e no valor acrescentado do nosso trabalho.

O programa do PS considera ser necessário afirmar os produtos e serviços nos quais os territórios apresentam vantagens competitivas em especializar-se por via da qualificação, diferenciação e inserção em novos mercados e conjugar o trabalho com os setores empresariais com a promoção de programas associados a áreas tecnológicas específicas; promover a incorporação de conhecimento e inovação nos produtos e serviços de excelência e diferenciados, através de especialização inteligente, tirando partido das novas tecnologias e métodos mais sustentáveis e eficientes.

A isto acrescenta, continuar a eliminar a necessidade de licenças, autorizações e atos administrativos desnecessários, numa lógica de licenciamento zero. O turismo continua a ter um papel importante. O programa inclui catadupas de medidas com uma enfase no “digital” e na nova buzz word, a economia circular, em que propõe consolidar e reforçar o apoio aos respetivos clusters industriais nacionais e em novas fileiras como a biotecnologia.

Os objetivos do CDS são, em resumo:

1 – Fiscalidade: Libertar as famílias da maior carga fiscal de sempre

2 – Demografia: Condições para construir projeto de vida em família

3 – Globalização: Educação, formação das pessoas, robustecer as empresas, criar emprego

4 – Estado: Justiça, eficiência, regulação, fiscalização, financiamento

O slogan principal do CDS é Propostas que fazem sentido na vida das pessoas. É o único programa com uma verdadeira narrativa e que se centra nas pessoas. A frase-chave é a pessoa pré-existe ao Estado e o centro das políticas públicas são as pessoas, não o sistema. Uma introdução procura demonstrar de modo simples, medida a medida, como cada uma terá impacto positivo na vida das pessoas, das famílias, das empresas. Segue-se o equivalente a um sumário executivo e depois o detalhe das propostas.

O CDS acredita na força criadora das pessoas. O Estado deve desimpedir o caminho e estabelecer igualdade de oportunidades trabalho. A prioridade número um é baixar impostos, libertar as famílias e as empresas, prontos para vencer num mundo global. O objetivo é dotar Portugal de um sistema fiscal mais favorável ao trabalho, à família e à iniciativa. Proteger a mobilidade social, porque a classe média precisa de recuperar poder de compra e autonomia económica para ascender na vida. Assumir a família como valor central da equidade do sistema fiscal. Uma economia assente no dinamismo do setor privado.

A reforma fiscal que o CDS propõe pretende potenciar o aumento da poupança e do investimento, pois não se pode distribuir o que não existe. Não coloca em causa o equilíbrio saudável das contas públicas, não acredita numa economia assente em défices sucessivos. Deverá promover a eliminação do desequilíbrio das contas externas — não quer um país incapaz de competir num mundo global.

O foco do CDS reside no reforço da competitividade fiscal da economia. Pretende que o Estado a crie condições para dinamizar e impulsionar áreas onde podemos fazer a diferença, do domínio digital à economia do mar e à economia verde. Afirma que só é possível vencer num mundo tão global se soubermos abrir a nossa economia, transformando-a numa economia do conhecimento.  Os setores mais dinâmicos precisam que o Estado lhes saia da frente e lhes dê o enquadramento necessário para vencer, para competirem, para crescerem. Os países que crescem mais estão a trabalhar neste sentido, enquanto em Portugal ainda se discute sobre se os privados podem ou não gerir hospitais.

Talvez o aspeto mais importante do projeto económico do CDS seja aquele que refere que a análise de diferentes realidades ao nível internacional comprova que os países fortemente industrializados são aqueles que melhor resistem às crises cíclicas que afetam as economias modernas. A aposta na indústria revela que nestes países, mesmo nos tempos mais difíceis, o tecido empresarial se mantém mais forte, se registam menores taxas de desemprego e se mantêm vivas as exportações. E a digitalização dos processos industriais, por vezes referido como Indústria 4.0 – a quarta revolução industrial – já começou e começou a sério. O CDS coloca o digital como instrumento da indústria. De notar que o CDS considera a cultura como um recurso estratégico nacional.

Os pilares do PSD são:

1 – Cívico e institucional: Desafios, objetivos e eixos para a mudança

2 – Económico-Financeiro: A tragédia do legado socialista, nova política económica, crescimento, competitividade, emprego, fiscalidade

3 – Estado: Eficiente, sustentável e centrado no cidadão

4 – Sistemas sociais: Educação, formação, saúde, cultura

5 – Política externa: Ao serviço do desenvolvimento

O slogan principal do PSD é Recuperar a credibilidade e desenvolver Portugal. Apesar de um dos eixos ser centrado no cidadão, este não está em evidência. A estrutura do programa é atabalhoada. Insiste na ideia Portugal quando o problema é outro: são os portugueses. Escrevi há anos sobre a eficácia da utilização das palavras Portugal e portugueses em slogans eleitorais. Verifiquei que os slogans que invocam os portugueses são mais eficazes.

Segundo o programa do PSD, Portugal vive hoje uma crise gravíssima. A visão estratégica do PSD consiste em melhorar as condições de vida dos portugueses, restaurar a confiança, a credibilidade e a esperança, promover a recuperação nacional, o crescimento, o emprego, a solidariedade e justiça intergeracional. O programa garante que resiste a qualquer teste de avaliação ou credibilidade.

O PSD identificou áreas de oportunidade que, no período da legislatura, apontam para um “mix” de consolidação orçamental essencialmente baseado na redução da despesa (no intervalo global entre quatro a cinco pontos percentuais do PIB) e de um aumento da receita fiscal, sem alteração da carga fiscal, por via do alargamento da base tributária e do combate à evasão fiscal. Afirma que com uma governação competente, com energias positivas e todas as capacidades do país, está ao alcance colocar Portugal no lugar que é seu no concerto das nações.

A proposta económica do PSD foca-se no Estado: um Estado promotor do crescimento económico e do desenvolvimento sustentável é uma componente crítica para uma estratégia de recuperação nacional, para o crescimento económico sustentado e para a melhoria do bem estar económico e social. O PSD pretende afirmar um Estado competitivo e sustentável, que promova o crescimento económico, através da regulação independente, da libertação de recursos económicos e financeiros para as empresas e as famílias, da redução dos custos de contexto, de investimentos produtivos e estruturantes e do correto planeamento do território e do ambiente.

O programa do PSD propõe medidas importantes, como continuar o processo de ugrading da cadeia de valor das atividades tracionais e novas atividades na indústria transformadora para aumentar o valor acrescentado nacional; redes regionais e internacionais cujas afinidades socioeconómicas ou demográficas permitam criar sinergias mesmo que haja separação geográfica e a promoção de ecossistemas locais e regionais de inovação e empreendedorismo, bem como lógicas de pólo/cluster, que aumentem o valor competitivo da localização. A buzz word do PSD é a economia do mar.

Esta resenha, embora breve, permite verificar que há áreas fundamentais de convergência, de que destaco a necessidade de maximizar as vantagens competitivas que Portugal apresenta em determinados setores, desenvolver a indústria e o aumentar o valor acrescentado nacional. A principal divergência reside na conceção do Estado e nos processos políticos: o mesmo mas eventualmente melhor Estado; ou menos e eventualmente melhor Estado? Supremacia do Estado sobre a pessoa ou da pessoa sobre o Estado?