A polémica que levou o Rei Juan Carlos a abandonar Espanha resulta de um grave erro de julgamento do monarca. Não tanto no que se refere às suas supostas infidelidades, tantas vezes motivo de especulação, que não assumem relevância política, mas no que concerne à pretensa ocultação de uma verba avultada que recebeu do defunto monarca saudita. D. Juan Carlos não foi sensível à intensificação do escrutínio aos titulares de cargos públicos, não tendo compreendido que os tempos mudaram e que as exigências de transparência – como agora abundantemente se diz – se tornaram mais rigorosas – em certos casos, excessivas até -, tornando inaceitáveis certos comportamentos que há algumas décadas atrás não causariam grande celeuma.

O soberano não agiu com virtude, mas também não agiu com prudência, pois não teve em conta que um faux pas de um membro da Casa Real é pretexto bastante para os anti-monárquicos ousarem uma jogada de xeque-mate à instituição. E é o que presentemente sucede, com a agravante de que, pela primeira vez na história da democracia espanhola, os anti-monárquicos têm assento no Governo, pois o Podemos não é apenas um partido republicano, é também – porventura sobretudo – contra a monarquia. Para os anti-monárquicos – e muitos republicanos são-no – a monarquia é tão somente uma herança do franquismo e da velha sociedade de ordens, além de, para os separatistas, ser o símbolo maior da unidade nacional que querem ver quebrada; logo, é um alvo a abater.

Porém, a monarquia espanhola é a mais democrática das monarquias: a forma de chefia de Estado foi submetida a sufrágio no referendo à Constituição de 1978 e o relevante papel desempenhado por D. Juan Carlos na instauração e na defesa da democracia está fora de qualquer dúvida. Desprezando tais factos, o zelo dos adversários da instituição real não cessa e a partida do rei, embora apresentada como uma decisão livre, terá sido a forma menos indigna de corresponder à pressão do Governo para que o monarca abandonasse o palácio da Zarzuela, medida mais punitiva e humilhante do que de sanidade democrática, pois desproporcionada e, sobretudo, injustificada, na medida em que sobre D. Juan Carlos não impende presentemente qualquer acusação.

Quanto ao Rei Felipe VI, mostra-se mais avisado que seu pai, consciente que está de que a conduta da monarquia tem forçosamente que estar acima de qualquer crítica, mesmo que com sacrifício pessoal, pois a Família Real, sendo uma instituição, é também uma família como as outras. A sua atitude para com a infanta Cristina, sua irmã, o cancelamento da subvenção paga pelo Estado a D. Juan Carlos e a renúncia à herança paterna, atestam a sua lucidez e pragmatismo.

Se tal comportamento será suficiente para salvar a monarquia, não se sabe. O que é certo é que os espanhóis teriam muito a perder se apoiassem a sua queda. As vantagens seriam nenhumas, pois a Espanha é, sob a monarquia, um país próspero e membro do exclusivo clube das nações livres. Já os inconvenientes pressentem-se muitos e graves; os fantasmas de um passado violento seriam acordados voltando a dividir a sociedade e, no limite, a própria unidade nacional estaria em sério risco. D. Felipe está a desempenhar bem o seu papel. Esperemos que os espanhóis correspondam aos esforços do seu rei, não se deixando seduzir pela campanha populista em curso contra a Coroa que procura mais a vingança do que a justiça.