Há dias, o governo resolveu anunciar umas novas medidas de “simplificação” do seu aparelho burocrático, e escolheu um ilusionista conhecido pelo seu truque de adormecer a audiência através da magia do tédio para actuar no evento e ser a “estrela” dos vídeos promocionais das ditas medidas. Como os serviços do senhor terão custado cerca de 20 mil euros, gerou-se alguma indignação junto das poucas pessoas que prestam atenção a estas coisas. Pessoalmente, achei cada um daqueles cêntimos bem gasto. Afinal, a escolha não poderia ser mais adequada, constituindo uma metáfora perfeita para a natureza ilusória das políticas do governo de António Costa, que nesse domínio apenas mantém viva a triste tradição dos seus antecessores.

Desde que se alçou ao poder, o governo do PS encavalitado nas bengalas comunista e bloquista ainda não se cansou de falar de ter “virado” a “página da austeridade”. Realmente, se descontarmos o recente caso do “descongelamento” dos professores, tem mostrado um imoderado vigor nos “aumentos” de salários dos que têm a sorte de ter um emprego na Administração Pública. No entanto, para manter os senhores da “Europa” pacificados e assim garantir que há mesmo dinheiro para pagar esses aumentos que darão votos (o mais tardar) em 2019, continua a ser necessário manter os níveis contabilísticos do défice público abaixo de um certo limite. Costa e os seus escolheram assim aumentar uma série de impostos indirectos e a carga fiscal como um todo, bem como privar de recursos o seu muito amado Serviço Nacional de Saúde. Ou seja, para poderem governar como efetivamente governo (protegendo as clientelas que precisam de proteger), fingem fazê-lo de forma diferente.

Este era também o método utilizado pelo governo de Passos Coelho emparelhado com o CDS. Usando e abusando de referências ao “reformismo”, não fizeram uma reforma que se visse, e apesar das (vagas) sugestões de “liberalismo” e de condenações verbais ao “estatismo”, deixaram este último intacto, e o primeiro na mesma gaveta onde Paulo Portas escondeu o seu “guião” da “Reforma do Estado”, que nem com as letras em “tamanho 16” se conseguiu voltar a encontrar (já o governo chefiado pelo antigo Primeiro-Ministro acusado de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais José Sócrates, é fácil ver hoje, pouco mais foi do que um regime cleptocrático que usava a retórica desenvolvimentista do TGV, da “Parque Escolar”, da “internacionalização” das “nossas grandes empresas” e do “investimento público” para esconder uma vasta rede criminosa que dependia desses “negócios”).

Na realidade, é cada vez mais claro que, em Portugal, os governos e os partidos não são “de direita” nem “de esquerda” (expressões que nada querem dizer), não são “liberais” nem “socialistas”, não são “conservadores” nem “progressistas”. Em Portugal, os governos e os partidos são o que são, e o que são não é grande coisa.

Não que sejam, como o velho refrão popular garante, “todos iguais”. À medida que se vão revezando no poder, é fácil notar diferenças entre os vários partidos e as políticas que adoptam ou a retórica de que se aliviam: as clientelas que favorecem são diferentes, a forma como distribuem o banquete orçamental pelas bocas que alimentam varia na generosidade, as amizades que fazem com ditadores estrangeiros também, e dependendo da preferência pelo rosa (mais ou menos avermelhado) ou pelo laranja (mais ou menos salpicado de azul), ora se ora ao altar do “Estado Social” ou ao do “rigor”. Mas, à medida que se vão revezando no poder, PSD, PS e os seus parceiros de ocasião deixam sempre a estrutura do “sistema” como a encontraram, apenas discutindo se devemos ter mais, ou menos, do mesmo. Em grande medida, aliás, é para isso que os eleitores neles votam: para que deixem tudo o mais na mesma possível, e lhes digam que não há problema nenhum em fazê-lo. Como tal, aos “revezistas” só lhes resta mesmo irem recorrendo ao ilusionismo, e esperar que os espectadores se cansem dos truques do concorrente para os irem chamando à vez ao palco.