Há verdades que, por mais óbvias que sejam, demoramos a interiorizar. Uma delas é que raramente alguém que está no mercado nos oferece coisas ou serviços de borla. Se uma empresa não nos cobra nada por algo que recebemos dela, regra geral é porque nessa transação não somos nós o cliente. Somos sim o produto, ou uma parte do produto, que está a ser comprado e depois usado, porventura até vendido a terceiros.
São os nossos dados pessoais, o nosso percurso na rede e toda a nossa pegada digital – meticulosamente registados pelos vários dispositivos tecnológicos que utilizamos no dia a dia quase sem dar por isso – que estão a ser transacionados. Ou melhor, é a nossa informação digital que está a ser recolhida, armazenada, sistematizada, valorizada e eventualmente transferida para quem a quiser e puder usar. Sejam simples empresas de e-commerce, designers tecnológicos desejosos de conhecer as últimas tendências dos consumidores ou de melhorar a performance dos seus produtos, cientistas em busca de novas invenções ou até políticos desesperados por agradar aos seus eleitores.
É por isso que o último número da revista The Economist qualifica os dados como o petróleo do século XXI. Assim como a economia industrial dependia do ouro negro para funcionar, também a economia digital precisa para se mover de fluxos de dados cada vez maiores. Tal como o petróleo, também os dados precisam de ser refinados antes de poderem ser usados. A grande diferença é que o petróleo é uma energia não renovável, ao passo que a economia digital cria ela própria novos dados a um ritmo alucinante – quanto mais se desenvolve, mais dados cria. E muitos dados podem ser reciclados e reutilizados. O desafio reside portanto no seu processamento em volume, variedade e velocidade, de modo a que possam tornar-se úteis.
Mas este não é apenas um mundo de novas oportunidades. Os riscos também são imensos. No plano político, a detenção de quantidades imensas de informação conferiu aos players globais do setor um enorme poder, que verdadeiramente não responde perante nenhum Estado ou organização internacional. No plano económico, é muito difícil para os reguladores assegurar o funcionamento concorrencial destes mercados recorrendo às tradicionais ferramentas anticoncentração. Sobretudo, a privacidade dos cidadãos pode bem acabar como uma peça de museu, apesar de o novo Regulamento da UE sobre proteção de dados pessoais, com início de vigência previsto para 2018, ser um passo fundamental para que tal não aconteça.
Sucede, porém, que não há nenhum sistema de proteção de direitos fundamentais que funcione se os seus próprios titulares não cuidarem bem deles. E sempre haverá quem dê os seus dados pessoais a troco de um cartão de fidelização e de 5% de desconto na compra de um par de sapatos. Quem faculte o seu endereço eletrónico apenas para ver uma fotografia picante de uma qualquer celebridade. Quem clique “I agree” mais rápido que a sua própria sombra. Ou quem descarregue gratuitamente coisas da rede e ainda se sinta bafejado pela sorte.