É muito difícil conseguir fazer sentido da legislação aplicada ao setor imobiliário. O que parece certo é que a dinâmica de mercado não é tida em conta, nem os direitos dos proprietários, considerados ricos em Portugal. No entanto, se considerarmos que atualmente existem quase 6 milhões de casas para 10,5 milhões de habitantes, e que 73% dessas casas são habitadas pelos proprietários, rapidamente concluímos que (pouco menos de) metade dos portugueses são proprietários.

Infelizmente, sabemos que metade dos portugueses não são ricos, nem se enquadram na classe média. É igualmente notório que cerca de 30% dos portugueses são responsáveis por 70% da receita fiscal e que um senhorio paga 28% do total da renda que recebe, sem ter direito de descontar no seu exercício fiscal a maior parte dos custos que incorre.

Com efeito, uma das grandes injustiças em Portugal é o regime de arrendamento. Em 2011 houve uma tentativa de corrigir este cenário que contribuía para a degradação (o contrário de reabilitação) urbana, resultante de uma distorção do mercado de arrendamento. Esta distorção mantinha os preços artificialmente baixos, levando muitos potenciais senhorios a evitar o mercado de arrendamento e a manter as casas vazias.

O problema desta revisão legislativa é que não conseguiu rever a maior parte dos contratos. Apenas uma pequena minoria dos arrendatários não alegaram carência económica, sendo que, mesmo nesta situação, e na melhor das hipóteses, foi aplicada uma renda correspondente a 1/15 do valor tributário do locado – ainda assim um valor muito inferior ao valor real de mercado. O problema persiste: considera-se que o senhorio é rico e caso este não seja controlado pelo Estado, o mercado seguramente não irá deter a sua “exploração” do inquilino. Este ano, os senhorios que quiseram aumentar as rendas foram limitados a 0,16% – valor insuficiente, na maior parte dos casos, para pagar a carta registada necessária para comunicar o aumento.

De facto, a dinâmica de mercado não tem sido, não é e parece que não será minimamente tida em conta. Por um lado, hoje discute-se a redução do valor máximo de renda de 1/15 para 1/25 do valor do patrimonial do imóvel, rendas mais baixas para idosos e pessoas com rendimentos até 31 mil euros por ano, bem como o alargamento do período de transição da atualização das rendas até 2022. Estas alterações são igualmente extensivas ao arrendamento para fins não habitacionais, ou seja, o pequeno comércio tradicional e as coletividades de desporto, cultura e recreio.

Por outro lado, está também a ser discutida uma proposta para atribuir subsídios a senhorios pobres. Apesar de haver alguma evolução em relação à perspetiva social do senhorio português – finalmente chega-se à conclusão que um senhorio/proprietário não é rico e que até pode mesmo ser pobre –, persiste o problema de se estar a distorcer o mercado. Agora, também se dá um subsídio para encobrir os efeitos de outros subsídios e de outras intervenções estatais no mercado imobiliário. Não será melhor deixar o mercado funcionar?

Se o mercado funcionasse não haveria senhorios pobres, carentes de subsídios, pois poderiam arrendar as suas casas a preços de mercado. Os inquilinos teriam de viver em casas que conseguissem pagar. E, perante a incapacidade de pagar uma renda, deveria haver habitação social, não rendas antigas que convertem o ónus de habitação social para o cidadão, ou rendas subsidiadas que distorcem o mercado e prejudicam todos: inquilinos que vivem em casas que não são mantidas; senhorios que veem o seu património praticamente expropriado para servir de habitação social; lojas não competitivas que vendem produtos que ninguém quer (e por isso não conseguem pagar uma renda).

Num mercado em que quer a oferta, quer a procura é subsidiada, anulam-se os efeitos pretendidos dos apoios e mantém-se uma “pescadinha de rabo na boca”.