A mudança do secretário de Estado da Energia (agora da Transição Energética) foi alvo de muita atenção na imprensa. De acusações de impreparação a insinuações de vir ‘apaziguar’ o sector, houve de tudo. Não me recordo da última vez em que João Galamba veio apaziguar um debate televisivo ou uma sessão parlamentar…
Se o novo secretário de Estado quiser fazer alguma coisa de significativo num ano pré-eleitoral, terá uma tarefa muito espinhosa. Portugal tem sérias fragilidades na área energética, a começar pelo custo da energia. Anos de rendas excessivas e de suspeitas sobre estes processos criaram uma forte exigência de mudança. Dossiers como o baixo peso das energias renováveis na produção nacional, a urgência no aumento da microgeração eléctrica e a reabilitação das cidades para a eficiência energética continuam por resolver. E inserir o país no epicentro da mudança tecnológica em curso é essencial.
Estas áreas de negócio estão em crescimento, com impacto na economia nacional e no acesso a recursos europeus. Mas as acções mais visíveis da maioria de esquerda centraram-se na contenção dos aumentos da factura eléctrica previstos em acordos feitos por governos anteriores e no acesso mais facilitado ao desconto da tarifa social. Num grande esforço de desmantelamento progressivo do esquema de rendas energéticas, o Governo eliminou a duplicação de apoios; exigiu a recuperação de cobranças excessivas; garantiu a redução de tarifas pagas à REN e EDP e obteve recuos nos benefícios adicionais aos contratos originais.
O trabalho iniciado por Seguro Sanches não foi terminado. Os interesses protegidos por estes contratos ficaram intactos e hão-de prolongar-se no futuro. Não há relatório que não afirme que as compensações atribuídas estão sobrestimadas, para grave prejuízo de todos nós. E a proposta do Orçamento do Estado de redução do IVA no consumo doméstico de energia é tímida e vem tarde.
O sector da energia é muito vasto e é um dos temas mais estratégicos (depois da educação e das competências e do desendividamento das empresas) para apoiar uma recuperação económica convergente com a média europeia. Por exemplo, para as indústrias intensivas em energia, que cobrem sectores com grande peso, ele tem um forte impacto na competitividade.
Acresce que os desafios colocados pelas alterações climáticas impõem mudanças tecnológicas no fabrico de produtos e na geração e gestão energéticas com foco na economia circular e na eficiência de energia e de recursos. Quando ocorrer, a mudança do paradigma tecnológico vai ser muito rápida, deixando para trás os que não estiverem preparados. E o país deveria estar.
Por exemplo, a construção da bateria eléctrica do futuro, com autonomia e tempo de recarga avançados para viabilizar o abandono dos combustíveis fósseis, já mobiliza o interesse dos países europeus. Essa construção implica forte investimento público e privado em investigação e desenvolvimento, a mobilização de empresas dos transportes e a abundância de matérias-primas para apoiar a produção em massa. E a primeira boa solução tem a possibilidade de se impor como modelo global.
Ora, Portugal tem capacidade científica instalada e, aparentemente, uma das maiores reservas mundiais de lítio. Mais do que fornecer a matéria-prima para a criação da bateria eléctrica europeia noutra região, o país devia posicionar-se para integrar as fases iniciais e finais dessa cadeia de valor global, incluindo a extracção mineral, a I&D&I e a produção.
Para além disso, o acesso a recursos energéticos renováveis, incluindo a grande exposição solar, permite um caminho para a auto-suficiência e para o fornecimento de energia limpa ao resto do continente. Desde 2016 que a exportação de energia eléctrica supera a importação, posicionando Portugal para uma futura rede eléctrica pan-europeia integrada e complementar.
Actualmente, o sector da energia é fonte de tensão social e política e um obstáculo ao crescimento económico. Mas não tem que ser assim. Aprofundar a estratégia seguida, reduzir os custos excessivos e preparar o país para uma nova centralidade no panorama tecnológico e energético europeu parece uma encomenda impossível para um só ano de mandato. Talvez nem Hércules desse conta do recado. Mas, queira ou não, são esses os trabalhos de Galamba.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.