Não sem surpresa, Ursula von der Leyen (VDL) acabou por ser a escolhida e eleita para próxima Presidente da Comissão Europeia segundo deliberação do Conselho Europeu ratificada, posteriormente, pelo Parlamento Europeu.

A surpresa da escolha baseou-se, fundamentalmente, em dois aspetos – por um lado, VDL não integrava a short list de potenciais candidatos ao cargo que se foi construindo e trabalhando no espaço público nas semanas anteriores à escolha do Conselho Europeu. Por outro lado, o facto de ser uma alemã parecia não recomendar a escolha realizada. Basta dizer que, nestes 70 anos de integração europeia, apenas por uma vez, e na já longínqua década de 50 do século passado, a Comissão Europeia (CE) tinha sido liderada por um alemão (no caso, Walter Hallstein, que liderou o executivo de Bruxelas entre 1958 e 1967).

O certo é que, face à necessidade de realizar todos os equilíbrios necessários no quadro do Con­selho Europeu, VDL emergiu como a candidata improvável que se tornou na líder virtual do próximo executivo comunitário. Aqueles que se perfilavam como mais fortes candi­datos ao cargo, viram-se reconduzidos às suas casas de partida. Um pouco como à moda dos Conclaves, onde quem entra “papável” costuma sair Cardeal.

É a partir de agora, porém, quando vai ter de formar a sua equipa executiva, que vão começar os verdadeiros trabalhos de VDL. A alemã irá ter pela frente um caminho muito estreito e sinuoso, permanentemente no fio na navalha, quase tendo que encontrar a verdadeira quadratura do círculo, tais e tantos vão ser os equilíbrios a que a nova Co­missão terá de obedecer.

Em primeiro lugar, e com base nas propostas que lhe forem feitas pelos governos dos Estados-membros, VDL terá de conseguir que a sua equipa seja aprovada pelo Conselho Europeu. E esta aprovação não irá ser fácil. Não só considerando as personalidades em concreto mas, também e sobretudo, levando em consideração a repartição das diferen­tes pastas pelos nacionais dos diferentes países.

Como em qualquer executivo, haverá pastas mais importantes e pastas menos importantes. Pastas que gerem mais fundos e pastas com orçamentos muito reduzidos. Todos quererão tutelar as primeiras, mas al­guns terão de se contentar com as segundas..

Obtida esta aprovação, a lista do executivo comunitário proposto transitará para o Par­lamento Europeu para ser sujeita a um voto global de investidura. A anteceder este voto, porém, os comissários propostos terão De ser escrutinados e avaliados individual­mente. E não poderemos esquecer que os últimos presidentes da Comissão Europeia tiveram, sempre, de proceder a alterações e retoques nas suas equipas, na sequência destas audições individuais dos candidatos. Em sede de Parlamento Europeu, os equilí­brios que se terão de processar serão mais amplos e mais difíceis de obter.

Desde logo, um equilíbrio que corresponda o mais possível à pulverização partidária que as úexecutivo comunitárioltimas eleições europeias conferiram à assembleia de Estrasburgo. É difícil crer que os novos comissários possam provir apenas das famílias popular, socialista e liberal. No mínimo, a representação dos verdes europeus – que registou importante resultado nas últimas europeias – dever-se-á ter como uma exigência do próprio Parlamento Europeu.

Mas também a habitual clivagem entre os países do norte e do sul da União acabará por desempenhar o seu papel em sede de formação e concreta composição da próxima Co­missão Europeia. Tal como o equilíbrio em questões de género que tanto está na moda e que VDL já disse querer respeitar e preservar na sua equipa executiva.

Combinar todas estas variáveis, muitas das quais tenderão a excluir-se mútua e recipro­camente, será tarefa árdua e será o primeiro grande desafio da nova indigitada Presi­dente da Comissão Europeia. A forma como for resolvido este puzzle, ditará muito do futuro da próxima CE.

Neste jogo de cadeiras e de influências, jogado nos bastidores das chancelarias euro­peias, Portugal jogou já as suas fichas: indigitou dois candidatos que, iniludivelmente, apontam para a preferência pela pasta da tutela dos fundos comunitários ou de uma impor­tante pasta económico-financeira. Por razões diferentes, a obtenção de qualquer um destes pelouros significará uma importante mais-valia para o Governo de Lisboa e um considerável reforço do seu peso político no quadro da próxima CE.

Contra esta ambição nacional, apenas um argumento de peso se poderá levantar. Nos últimos anos Portugal tem desempenhado funções no âmbito da União Europeia clara­mente superiores ao seu peso político relativo. Um Presidente da Comissão Europeia durante dois mandatos, o atual presidente do Eurogrupo e uma vice-presidência do Banco Central Europeu. O desempenho destas funções por parte de nacionais portugueses aconselharia a atribuição de pelouros de relevo aos candidatos indigitados (talvez mais a Elisa Ferreira do que a Pedro Marques).

Porém, numa União a 28, não faltarão outros candidatos de outros países, de mérito e de relevo, com idênticas aspirações do que as que são evidenciadas pelos candidatos avançados por Lisboa. A concorrência será de peso e o exercício daquelas tarefas em tempos tão recentes poderá acabar por funcionar e por se virar contra os desejos do Governo de António Costa. No final deste processo se verá qual o verdadeiro peso político do nosso Governo no atual quadro político da UE.

No que a Portugal diz respeito, a posição assumida pelo Governo pode contribuir para dificultar e complicar os tais trabalhos de VDL. Dentro de poucas semanas saberemos como a candidata indigitada se saiu da tarefa quase impossível que lhe foi conferida e de que forma as expetativas de António Costa saíram, ou não, goradas.