Dez meses passados sobre as eleições de Dezembro de 2015, Espanha volta a ter um Governo. Ironicamente, o mais fácil desta nova etapa de Rajoy pode mesmo ter sido ver o seu nome aprovado pelas Cortes. Este será o Governo mais frágil do actual período democrático espanhol, com excepção do breve executivo liderado por Leopoldo Calvo Sotello, em plena desagregação da Unión del Centro Democrático (1981-1982) e depois da tentativa de golpe de Estado de 23 de Fevereiro de 1981.

Orçamento

O primeiro grande desafio de Rajoy será fazer aprovar o que lhe deu estabilidade para governar “em funções” durante todo este ano: um orçamento de Estado. Com Bruxelas à espreita, Madrid tem de apresentar um plano de cortes orçamentais e caminhar, efectivamente, para um défice inferior a 3% do PIB. Pode não parecer, mas não são apenas os portugueses ou os gregos a ter de cumprir. Observando o quadro parlamentar, é difícil que, depois do “sapo engolido” pelo PSOE e em plena campanha interna, os socialistas tenham margem para validar um orçamento que contraria (novamente) tudo o que disseram em campanha eleitoral. Em breve voltaremos às contas: o presidente do Governo poderá ter de pescar nas águas dos nacionalismos e regionalismos para somar deputados. Tendo em conta que os catalães se auto-excluem de tudo, poderá haver uma estratégia que envolva o Partido Nacionalista Vasco e um deputado socialista canário que tem autonomia de voto.

Catalunha

Se o Governo maioritário de Rajoy não tinha a menor vontade de dialogar com o independentismo catalão, o Governo minoritário não terá vontade nem força. O parlamento de Madrid tem uma sólida maioria contrária à secessão, mas não há um actor capaz de corporizar, a uma só voz, a defesa do quadro constitucional. Escudado na narrativa da impossibilidade formal da independência (constitucionalmente correcta), Rajoy assistiu impávido ao afastamento político de Barcelona e permitiu que se enraizasse na sociedade catalã um sentimento de desprezo e de distância em relação ao Estado espanhol. O quadro tende a degradar-se e, com as suas instituições autonómicas dominadas pelo independentismo, a Catalunha está cada vez mais longe da normalidade com Madrid.

Tentação

Mariano Rajoy, um dos piores políticos que a democracia espanhola produziu, demonstrou que sabe sobreviver através do silêncio e tirar partido da desesperante “crise de vocações” que a política atravessa. A manter-se o cenário de ingovernabilidade efectiva, de uma oposição fracturada e de um PSOE colapsado e em risco de cisão, a tentação de dissolver as Cortes e de convocar eleições antecipadas será maior a cada dia que passe. O Partido Popular sempre teve uma enorme capacidade de arregimentação. Com a esquerda monopolizada pelo radicalismo do Podemos, sem socialistas e com o Ciudadanos em perda, levar 9 milhões de votantes às urnas poderá ser bem mais fácil do que levar 176 deputados a aprovar orçamentos.

O autor escreve segundo a antiga ortografia.