Quem é Ursula Von Leyen? A presidente-eleita da Comissão Europeia era até há poucas semanas uma ilustre desconhecida. Desconhecida em Portugal e na maior parte dos países europeus, com exceção da Alemanha, onde era ministra da Defesa. A imprensa, um pouco por toda a Europa, apressou-se em dar a conhecer o seu percurso e em encher telejornais e páginas de jornais com análises políticas sobre a nova chefe da Comissão.

O facto de o Conselho Europeu a ter escolhido, ignorando os seis candidatos que se apresentaram a votação e a curta maioria (absoluta) com que o Parlamento Europeu aprovou a sua nomeação, foi o que mais ocupou os comentadores políticos. Pena que o acessório, o xadrez e a intriga política, suscitem sempre mais interesse que o essencial: as ideias da nova titular do cargo mais importante da União Europeia (UE).

Ora, foram precisamente as suas ideias que garantiram a Ursula Von Leyen a aprovação da nomeação pelo Parlamento Europeu. Apresentou-as aos deputados num notável discurso onde mostrou compreender os valores da União, falando das raízes comuns da filosofia grega e do direito romano, e, em especial, do projeto de paz gizado no pós Segunda Guerra. E, nesta parte da intervenção, falou como alemã, o que tem um significado especial.

Referiu-se à crise dos refugiados reafirmando princípios humanitários que alguns populismos e extremismos começaram a questionar. Falou da sua integração nas comunidades locais europeias com a autoridade de quem acolheu na sua família um jovem sírio de 19 anos. E abordou o tema sem deixar de aludir à complexidade de que a questão da integração de refugiados nos Estados Membros naturalmente se reveste e do efeito que uma política descuidada pode provocar nas comunidades locais dos países europeus.

Mas a nova presidente da Comissão revelou compreender também os principais desafios com que a União Europeia se defronta – a globalização, a digitalização e as alterações climáticas – e apresentou propostas para os endereçar. Comprometeu-se com um “green deal” nos primeiros 100 dias de governação, uma política fiscal que não deixe de fora as gigantes tecnológicas cujos negócios prosperam no mercado interno e em adotar medidas de cariz social, como um seguro europeu de desemprego que faça face ao impacto que os avanços tecnológicos têm nos postos de trabalho. Reforçou o desígnio da integração económica europeia, mas deixou claro que não são as pessoas que servem a economia: é esta que serve as pessoas.

Nenhum político se pode avaliar apenas por um discurso. Mas, na sua ainda muito curta exposição a este nível, a nova presidente da Comissão lançou as cartas certas e fez o que poucos líderes europeus têm conseguido fazer: inspirou confiança e revitalizou o ideal europeu. Recorrendo à antiguidade clássica que, como Ursula assinalou, faz parte do património comum europeu, Platão costumava dizer: o início é a parte mais importante do trabalho.