Não conheço nada de mais brutal que uma mãe matar um filho. Que o faça à nascença, com premeditação, tem ainda uma dimensão acrescida de brutalidade. Não existe dificuldade da vida que o explique – e tentar fazê-lo parece-me um ultraje a todas as pessoas, especialmente mulheres, que em situações de dificuldade extrema, económica e de ignorância, mesmo quando abandonadas pelo pai do novo ser humano que geraram, assumem todas as consequências dos seus atos e colocam o Amor como prioridade, ainda que desconheçam o valor supremo do direito à vida. Neste domínio, os animais dão-nos repetidas lições.

Choca-me, por isso, a onda de compreensão com a jovem que atirou o seu filho recém-nascido para o primeiro caixote do lixo que encontrou. Não faço juízos de valor sobre a mulher em causa. Ela terá, como todos os outros seres humanos que caem em situações criminosas, o seu percurso  a estudar. A sociedade deve compreender para mudar e isso é uma evidência em qualquer tipo de atividade criminosa. Mas há um ponto fulcral: no momento seguinte a qualquer crime, e em primeira instância, a Lei tem de funcionar – como, felizmente, funcionou, apesar do escândalo de tanta gente vertido em chorosas declarações nas redes sociais.

A questão, na sociedade portuguesa, é que se instalou um padrão. Desenvolveu-se um relativismo moral surpreendente, pseudo humanista, que tende a estigmatizar as regras, as leis, a segurança, a responsabilidade, o quadro moral em que se funda a civilização ocidental e a aceitar a aberração.

Dou um (outro) exemplo: perante a recente marcha de dezenas de milhares de pessoas em fuga dos seus países, na América Central e do Sul em direção aos Estados Unidos, a grande questão informativa foi sobretudo o muro que existe na fronteira com o México, começado a ser construído em 1994, 20 anos antes de Trump. Pareceu irrelevante saber que países são aqueles de onde as pessoas fogem, desesperadas e sem esperança; quem são e o que fazem os seus governantes, incompetentes e criminosos.

Estamos perante uma forma de olhar o mundo que chamaria de desembaraçada. Às vezes, como no caso da senhora que tentou matar o filho, a responsabilidade está a montante – é nossa. No caso das fugas em massa (diz-se “migrações” em linguagem polida) está a jusante – é nossa. Na História, onde o revisionismo se manifesta especialmente atento e militante, a culpa está um pouco por todo o lado – continua nossa. A responsabilidade, para além de nossa, escorre da mesma fonte: ‘da sociedade’, construída em cima da civilização a que pertencemos, da religião que lhe moldou a matriz. Esta forma de pensar e entender a vida convocou brigadas de intervenção social que se dedicam a estigmatizar pessoas com a mesma lógica com que a inquisição manchou a religião católica.

A degeneração tem, ainda, uma notória vertente política – e provavelmente até descende dela. Agora em Espanha, com o VOX, aí está outra demonstração do Mal. Não estamos perante mais um caso da Democracia a funcionar, como terá funcionado na pulsão independentista de uma parte da Catalunha ou no aparecimento do Podemos (hoje submetido no nome ao novo império do feminismo militante – Unidas Podemos), que deve a vida a generosas contribuições de países de duvidosa reputação. Nada disso! Igual que nos outros países europeus, sobretudo mediterrânicos, que em determinado momento abriram as portas generosamente a quem fugia da barbárie, é o fascismo que estará em marcha. Os nossos vigilantes continuam atentos. Mas, sinceramente, começa a não haver paciência para os aturar.