Hoje o Reino Unido deveria ter deixado de ser membro da União Europeia. Porém, tal não aconteceu, e estamos ainda por saber se vai um dia acontecer. A única certeza que parece haver é que o Parlamento britânico vai retirar o controlo do processo ao governo de Sua Majestade. O “The Spectator” de 23 de março fala de agonia prolongada (sic), mas aquilo que Boris Johnson chamou o dia da independência nacional – 29 de março, esta sexta-feira – é afinal o dia do embaraço de ver Theresa May suplicar por uma extensão do artigo 50 sem ser capaz de explicar para quê.

May tem hoje um governo dividido (esta semana perdeu mais três membros) e um partido dividido, num país dividido (mais de cinco milhões de pessoas pedem um novo referendo), e só conseguiu demonstrar que a tarefa estava além das suas capacidades. De novo citando, o único beneficiado com a situação é Lorde North, que talvez deixe de ser considerado o pior primeiro-ministro que a Grã-Bretanha teve.

O que temos, hoje, pela frente? Duas ideias parecem emergir. Primeira, é importante que o Reino Unido deixe a União. As divisões internas são grandes e não sair da União apenas vai deixar uma ferida aberta. Mesmo na eventualidade de haver novo referendo e concluir-se pela permanência, com forte probabilidade vai provocar petições e novos referendos, eternizando a fratura na sociedade britânica.

É preciso virar a página e fazer a pedagogia, até para reforço da coesão da própria União: não pode haver aprofundamento do projeto europeu com dúvidas no seu interior. E neste contexto de saída, o Reino Unido deve ser tratado como um parceiro preferencial e não como traidor, com proximidade e não com ressentimento.

Segunda, para que a saída se dê bem, deve ser cuidadosamente planeada e executada, para haver o mínimo de perturbação – económica, política, social – para o Reino Unido e para a União. Isto implica hoje preparar uma saída sem acordo, o cenário que ganha probabilidade à medida que o tempo passa. Preparar para o pior, desejando o melhor é a solução prudente dado o jogo do empurra no Parlamento britânico que temos visto na televisão, e a impossibilidade demonstrada de parlamentares e governo encontrarem um caminho alternativo exequível.

Como esperam os deputados britânicos convencer-nos que conseguem criar algo se estão ainda mais divididos que o seu governo? O que vão fazer é atirar para cima da União o problema do backstop: fazer a União obrigar a que haja uma fronteira física entre Irlandas, o que é inaceitável, ou impor uma fronteira entre a República da Irlanda e o resto da União, o que é inadmissível, ou esperar que a União se acobarde e não faça nada, o que é injusto mas é o que os hard brexiters têm na cabeça, o significado último de take back control. Ou seja, uma atitude irresponsável, mandar para cima de outros o problema que criaram. Temos, portanto, que preparar o no deal, sobretudo se queremos evitá-lo.