Não são poucas as vozes, vindas dos mais diversos quadrantes, que consideram ter sido o Papa Francisco a grande (e praticamente única) referência ética e autoridade moral nos dias de hoje. Se num passado relativamente recente poderíamos apontar figuras humanisticamente emblemáticas como Gandhi, Luther King, Teresa de Calcutá ou Nelson Mandela, o mundo e a igreja de hoje olham para Francisco e reconhecem nele esse exemplo profético e entusiasmo estimulante na construção de uma vida mais ao gosto de Deus e do Homem.

De facto, Francisco, num mundo muitas vezes carente de valores e de líderes, foi (… e é!) importante referência e autoridade, um perfeito humanista e profeta (luz no presente, olhando o futuro) e, por isso, respeitado em propostas/iniciativas diplomáticas (por exemplo entre Cuba-EUA, 2015 ou para o Sudão do Sul, 2019) e ambientais (veja-se a cimeira de Paris, em 2015, que se realizou após a extraordinária Encíclica papal Laudato Sí).

Destacarei aqui, entre outros aspectos possíveis de elencar, algumas notas do olhar do Papa Francisco sobre o mundo e sobre a igreja (claro que cada uma destas notas mereceria um destaque próprio e independente, mas aqui faz-se apenas uma síntese).

No primeiro dos casos, a situação dos migrantes e refugiados (Francisco escolheu Lampedusa como primeira viagem apostólica, local da tragédia de inúmeros migrantes que se aventuram no Mediterrâneo), a denúncia de uma «economia que mata» (baseada num capitalismo ultraliberal e selvagem), uma visão ecológica integral (onde o ambiente, a pobreza, a arquitectura, a economia e as culturas em geral estão interligadas no pólo comum que é o ser humano), o olhar sobre as outras religiões (lembremos o encontro e documento comum sobre a Fraternidade Universal, em Abu Dahbi, em 2019, com o Grão Imame de Al-Azhar), os apelos à paz e ao desarmamento (quer na recente Bula do Ano Jubileu, quer na Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2025); no segundo caso, a necessária purificação da Igreja – com a reforma da cúria romana e a humildade dos cardeais e ministros da igreja, a denúncia dos abusos (que envergonham a Igreja), a sinodalidade (um «caminhar todos juntos» para que o que a todos diz respeito por todos seja decidido), o ecumenismo (como esquecer o maravilhoso encontro, na Suécia, com a Pastora luterana líder da Igreja), o fazer-se eco da voz das mulheres (agora nomeadas para estar à frente das finanças do Vaticano ou para serem membros do Dicastério para os Bispos), a importância da misericórdia – a qual, cheia de bondade, respeita as consciências pessoais de todos e cada um.

Além disso, creio ser justo e importante destacar, em toda a postura e acção deste pontificado: a) um critério e uma perspectiva em todas as palavras e acções – olhar a Igreja e o Mundo sempre a partir dos seres humanos da ‘periferia’; b) um estilo e uma temática sempre presentes: a alegria e alegria na misericórdia (Rom 12,8; MV 16). Alegria que é um tópico importante do Sínodo dos bispos sobre a nova evangelização (2012) e está na origem da Alegria do Evangelho (Evangelii gaudium, 2013), Alegria do Amor (Amoris laetitia, 2016), Alegria da verdade (Veritatis gaudium, 2017). Alegria que é reveladora de um Deus de bondade, desejoso da alegria, festa e vida abundante para todos.